Estado de Extorsão. Por Carol Proner |
Comportamento | |||
Thursday, 08 June 2023 07:53 | |||
De todo o dito durante mais de 3 horas de relatos, o ponto central é o lugar de fala de Tony Garcia: ele confessa ter atuado durante anos como um dos principais colaboradores nos momentos mais trágicos que envolveram o judiciário e o poder no país. Da farsa do impeachment contra Dilma Rousseff – a quem ele pede desculpas – à farsa do combate à corrupção, o empresário diz ter sido um dos principais pivôs, a contragosto, de uma perversa rede de extorsão e mentiras que envolveu juízes e desembargadores, procuradores, advogados, investigados, políticos e testemunhas. O mais relevante nas denúncias de Tony Garcia foi a confissão de que atuou sob o que poderia ser entendido como um estado de extorsão, tendo sido levado a fazer coisas ilegais, a gravar pessoas em lugares privados e secretos, a espionar com equipamentos de escuta, a criar fatos inverídicos para incriminar réus e a cometer crimes como falso testemunho, tudo isso supostamente em nome da justiça, por vezes sob acompanhamento e vigilância de agentes da ABIN e do GAECO e sob grave ameaça de privação de liberdade. O código penal define o crime de extorsão como sendo a conduta de constranger alguém a fazer, tolerar ou deixar de fazer algo, sob violência ou grave ameaça, com o objetivo de obter vantagem indevida. Efetivamente a conduta criminosa exige ato de colaboração da vítima sem a qual incide ameaça contra a liberdade ou contra a integridade física. Este é o estado reclamado pelo empresário e ex-deputado que se define como uma das primeiras vítimas de uma espécie de laboratório da Lava Jato quando Sérgio Moro ainda desenvolvia o método a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba criando, nas palavras dele, uma espécie de Guantánamo brasileira. Tony Garcia não foi o primeiro a acusar Moro e Deltan Dallagnol de extorsão. Em breve voltará ao Brasil o advogado Tacla Duran que, com autorização da justiça e salvo-conduto, poderá oficialmente contar a própria versão e eventualmente comprovar as acusações de crimes que julga terem sidos cometidos pela turma da Lava Jato. É bastante possível que, a partir nesta audiência pública a ser realizada no dia 19 de junho, este seja o caminho para responsabilização penal de Sérgio Moro, já que certamente será caracterizado como o líder de uma organização criminosa de tipo inédito, crescida dentro do poder judiciário, utilizando cargos de operadores jurídicos para perseguir adversários pessoais e políticos e provocar inestimável distorção democrática, além de grave dilapidação do patrimônio público brasileiro. Vale destacar um momento pitoresco da denúncia de Tony Garcia e que, como dizem os advogados criminalistas que acompanham o caso, se comprovadas datas e personagens, poderia explicar o anômalo comportamento de integrantes do TRF4 diante dos desmandos de Sérgio Moro ao longo do tempo. Trata-se da chamada festa das cuecas, em referência a uma orgia com prostitutas realizada em hotel de Curitiba e na qual, sugere o entrevistado, os meritíssimos teriam sido filmados e estariam sob chantagem do possuidor do segredo, neste caso Sérgio Moro. Apesar de chamar a atenção da mídia, tenho dúvidas se esta parte das denúncias sugere o melhor caminho para o recolhimento de provas de extorsão entre integrantes do Poder Judiciário. Por um lado, é duvidoso que o mero relato de alguém ancore tamanha acusação, menos ainda quando este alguém esteve entre os que participaram de eventos presumivelmente ilícitos por anos a fio. Por outro lado, e sem perder a oportunidade, sabemos que o conluio patriarcal para a prática de orgias exibicionistas como parte do exercício de poder pode ser até mais impenetrável do que o conluio para a prática de lawfare. O que importa e merece ser destacado, inclusive para validar qualquer acusação genérica ou específica por parte de Tony Garcia, é a própria condição de permanente extorsão que alega ter sofrido, e a comprovação de que buscou denunciar os abusos sempre que pôde e que não foi ouvido. É fundamental que sejam conhecidos os registros da audiência realizada em 2021 junto à juíza Gabriela Hardt, na qual o empresário relata as torturas sofridas e o estado de extorsão “sem saber que estava falando com o inimigo”, conforme queixou-se na entrevista. É fundamental que os processos de Tony Garcia sejam revisados pela justiça, caminho agora iniciado por Dias Toffoli, que acaba de determinar a suspensão dos processos que o envolvem e o envio de todas as acusações ao Supremo Tribunal Federal. Espera-se que estes casos sirvam de impulso para que o Supremo Tribunal Federal resgate a essência da própria justiça, de seus órgãos e integrantes e do sentido de hierarquia, a começar pela constitucional. Ao mesmo tempo, é a oportunidade para que o Poder Legislativo possa também revisar o comportamento da Lava Jato, amplamente denunciado por advogados e professores, entendendo como um alerta de mau funcionamento do sistema de justiça e de vulnerabilidade soberana e jurisdicional do país. Carol PronerDoutora em Direito, professora da UFRJ, diretora do Instituo Joaquín Herrera Flores – IJHF Artigo publicado originalmente em Estado de Extorsão - Carol Proner - Brasil 247
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