Usuários estão ficando mais atentos aos desvios da rede social por Miriam Sanger |
Comportamento | |||
Tuesday, 03 September 2013 02:04 | |||
Assim como política, religião e futebol, Facebook não se discute. Cada um do cerca de 1 bilhão de usuários enxerga essa rede social com forma e propósitos diferentes. Ninguém pode discordar que ela flutua a favor da maré e cresce exponencialmente, para a felicidade de seu jovem proprietário e dos acionistas da empresa. Essa expansão, no entanto, não necessariamente representa benefícios para aquele que deveria ser seu bem mais precioso: o público, cada vez mais ressabiado, como apontam pesquisas, com a falta de privacidade. Nem isso, porém, parece ter diminuído o ímpeto de compartilhar informações, atitudes cotidianas ou se envolver em algumas das tribos que deixaram o sofá e foram às ruas protestar contra os problemas nacionais. Muito se tem investigado a respeito do usuário dessa mídia, que vem mudando junto com ela. Esse assunto é ainda mais relevante no Brasil, onde está o povo que mais gasta tempo em redes sociais e cada vez mais é instigado a um novo comportamento: a superexposição voluntária. “Comparo as novas mídias sociais a uma grande festa, um lugar acolhedor e descontraído onde euforicamente nos sentimos livres para nos exibir. Ali, agimos como se estivéssemos sonhando com os olhos abertos, em um estado alterado de consciência que reduz nossas defesas e nosso senso crítico”, acredita a psicóloga Katty Zúñiga, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI) da Clínica Psicológica da PUC de São Paulo. “A pessoa entra na rede social e ‘cresce’ de acordo com o estímulo que recebe de amigos e conhecidos. Esse fato então se mescla à sua bagagem cultural: se o brasileiro é por natureza mais expansivo, com certeza vai se expor mais que um boliviano, por exemplo”, explica a professora Beth Saad, coordenadora do curso de pós-graduação em Comunicação Digital na Escola de Comunicações e Artes da USP. Quem é usuário sabe do que Beth fala, e boa parte do que hoje se vê ali postado deixa evidente a sensação de liberdade do autor, que muitas vezes escreve o que não diria cara a cara e mostra imagens que “ao vivo” não exibiria – ou, pior, exibe uma agressividade que não costuma pessoalmente expressar. “Esse me parece o lado complicado do Facebook. Acho que, ali, as pessoas se tornam mais agressivas. A questão do anonimato, também permitido no mundo virtual, é outro aspecto que pode levar a situações desagradáveis. Mas não tem jeito: tudo isso faz parte desse movimento”, considera Joel Bueno, bancário aposentado que viu no Facebook uma forma de divulgar mais amplamente seu blog. Espiral da felicidadeTalvez a euforia descrita por Katty também explique o fenômeno chamado “espiral da felicidade”. A tendência aparece em pesquisas: o usuário vê seus amigos felizes e, por isso, evita postar mensagens “pra baixo”. “De forma geral, a rede é como uma onda, na qual quando um está feliz o outro precisa dizer que também está e, mais ainda, precisa ‘curtir’ a felicidade alheia”, afirma Beth Saad. Essa permanente festa de um mundo irreal, no entanto, traz sofrimento. Segundo um estudo recente realizado pelas universidades alemãs Humboldt, de Berlim, e de Ciências Aplicadas de Darmstadt, mais de um terço dos usuários do Facebook enfrenta sentimentos negativos como frustração e tristeza depois de visitar o perfil dos “amigos”. E aí entra uma questão sobre conceito de amigo do ponto de vista da rede social. “Já está claro que não segue o mesmo conceito da vida real. Na rede, você se torna amigo de quem é celebridade, de quem posta ideias interessantes, de quem é amigo de um amigo”, diz Beth. Ou seja, a construção de uma rede de relacionamento não segue, a rigor, nenhum critério, e amigos podem ser clientes, colegas de trabalho e até o chefe, lado a lado com a tia-avó e os filhos da melhor amiga. Haja confusão.
“Já levei bronca dos meus amigos porque na minha página estão meu network profissional, minha família e meus amigos. Eu não deveria ficar expondo o mundo de um aos outros, mas não consigo ainda dividir minha página. Assim, como posto muito, sei que me exponho e deveria ser mais comedida”, descreve a assessora de eventos Carolina Birenbaum. Com mais de 2.700 amigos em sua página, ela utiliza o Facebook também com fins profissionais e armazena o portfólio de sua empresa. Já a secretária Eliane Ferraz de Souza Morales, usuária há cerca de um ano, vai ao extremo oposto. “Uso o Facebook para acompanhar as novidades de meus amigos. Mas a minha intimidade eu não publico – não vejo por que tornar públicos assuntos que são somente meus.” Mas nunca foi tão difícil separar alhos de bugalhos: a divisão do que é pessoal daquilo que é profissional, em vez de se tornar clara, é cada vez mais tênue, assim como a distinção entre o que é de interesse comum e o que é puramente merchandising. “O Facebook nasceu com o intuito de ser um lugar onde as pessoas poderiam compartilhar suas experiências. No entanto, o que vemos agora? Mil adds, apps e praticamente um canal de propaganda de todos os centros comerciais do mundo”, afirma a fotógrafa Essa face mercantilista está cansando usuários – e já há quem esteja se afastando. A alteração do perfil do Facebook soa, para Sérgio Basbaum, como o fim de uma época mais “inocente” da ferramenta. “Quando entrei, em 2007, achei o Facebook interessante. A sensação que tinha ao navegar ali era a mesma de quando eu, no passado, ia à praia no Rio de Janeiro. Encontrava uma amiga aqui, um grupo ali, um amigo antigo que não via há tempos. Ainda existe essa dinâmica interessante. O lado esquisito é que virou um espaço utilitário e perdeu, com isso, sua ingenuidade inicial”, avalia ele, que é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) na PUC-SP. A ilustradora Valentina Fraiz decidiu “voltar à vida analógica”. Usuária por anos, ela sempre foi questionadora do nível de exposição ao qual as pessoas pensadamente se propõem: “Não entendo de onde vem esse prazer. Parece que agora, o tempo todo, precisamos mostrar como estamos nos vestindo, nossos sentimentos, nossos gostos, como se isso criasse uma identidade. Sempre provoquei as pessoas: ‘Ei, galera, prestem atenção no que vocês estão postando!’ E, quanto mais eu questionava, mais as pessoas me bloqueavam”. A motivação final para sair dessa rede surgiu quando as páginas de algumas amigas foram bloqueadas em função de fotos postadas. “Elas participaram de um evento público, a Marcha das Vadias, que acontece no mundo inteiro, e apareciam nas fotos com os seios pintados, uma situação absolutamente não sexual. Foi censura. Como assim? Você tem de se ajustar, dar todas as suas informações e, em troca, levar para casa um patrulhamento moral?”, questiona Valentina. O que não estava no script era deparar com uma espécie de crise de abstinência. Semanas depois de ter ‘morrido’ no Face, ela abria o computador e mecanicamente começava a digitar o endereço dele. “Minha filha Laura, que curtiu minha iniciativa, também saiu durante seis meses. Sofreu muito, pois ficou em um tal grau de isolamento em relação aos amigos que era impossível suportar. E fui eu mesma que a aconselhei a voltar.” Laura explica que tinha mudado para uma cidade nova, não tinha amigos, e estar fora da rede atrapalhou. “Eu ficava sabendo de uma festa só depois, e percebi que não estava sendo chamada porque os convites eram publicados só no Face. Uma hora percebi que teria de abrir uma conta nova. Voltei com uma atitude nova, com mais cuidado para não expor minha vida como antes. Sou discreta sem ser ausente.”
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