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Boaventura de Sousa Santos: Quinze questões para uma nova esquerda
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Cidadania
Tuesday, 12 July 2016 04:42

boaventura"Quando confortável no governo, a esquerda engana quem nela confia e engana-se ao confiar em quem nunca deveria", afirma o intelectual

Em uma entrevista com o professor português Boaventura de Sousa Santos, para a produção da reportagem sobre o avanço da direita na América Latina, publicada naedição 231 de Caros Amigos, perguntei como a esquerda poderia contrapor à ofensiva da direita, especialmente na América Latina. “Respondo em forma de teses para discussão”, indicou.

Boaventura é professor da Universidade de Coimbra, Portugal, e da Universidade de Wisconsin-Madison, EUA. Dirige o projeto de investigação ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas. É entusiasta e participante ativo do Fórum Social Mundial ao longo dos anos, tendo trabalhado e dialogado com movimentos políticos sociais de todo o planeta, especialmente da América Latina e outros países do Sul Global.

Seguem abaixo as 15 questões levantadas pelo professor para reflexão.

Pluralidade na união

A esquerda vai certamente continuar a ser uma pluralidade de esquerdas mas a pluralidade tem de saber ultrapassar a fragmentação e articular-se no respeito da diferença ainda que maximizando convergências e minimizando divergências. O fortalecimento do fascismo social com  fachada política  democrática  vai exigir um esforço adicional na busca de consensos que permitam um novo tipo de frente democrática mas com a mesma abrangência das frentes populares na Europa dos anos 1930 ante a ameaça do fascismo enquanto regime politico (e não "apenas" enquanto regime social como acontece  atualmente). É trágico que, em tempos recentes, tenha sido mais  fácil à forças importantes de esquerda (em geral, de orientação social-democrática ou de centro-esquerda) realizar alianças com forças de direita do que com outras forças de esquerda. Mas as dificuldades na concretização de articulações de esquerda não são, em geral, da responsabilidade de apenas um setor da esquerda. Infelizmente, o sectarismo tem-se distribuído generosamente. As teses seguintes falam de esquerda no singular para designar o campo de consensos práticos que devem subjazer às alianças entre as esquerdas.

Poder para a democracia

A refundação da esquerda exige uma refundação da política concebida enquanto teoria e prática do exercício e da transformação do poder em seu sentido mais amplo. O poder é sempre expressão de relações desiguais que permitem a quem o tem representar o mundo como seu e transformá-lo de acordo com as suas necessidades, interesses e aspirações, seja esse mundo a família, a empresa, a comunidade, a escola, o mercado, a cidadania, o globo terrestre.  O poder só é democrático quando é exercido para ampliar e aprofundar a democracia. No seu sentido mais amplo, a democracia é todo o processo de transformação de relações desiguais de poder em relações de autoridade partilhada. Por isso não há sociedades democráticas; há sociedades que, quando governadas pela esquerda, estão em processo de democratização e, quando governadas pela direita, em processo de desdemocratização. Governar à esquerda é ampliar a democracia tanto nas relações políticas como nas relações sociais. Governar à direita é restringir a democracia nessas mesmas relações.

Zona de conforto

Tanto na oposição como no poder a esquerda deve manter a coerência entre os meios e os fins. Não há fins honrosos quando os meios para os obter são vergonhosos. A mesma coerência é exigida entre estar na oposição e estar no governo. Nas sociedades dominadas pelo capitalismo, o colonialismo e o patriarcado, a zona de conforto da esquerda é a oposição. Quando no governo, o desconforto do poder exercido na sociedade tem de ser o espelho do poder do desconforto no interior da esquerda. Quando confortável no governo, a esquerda engana quem nela confia e engana-se ao confiar em quem nunca deveria.

Relação com os movimentos

Nas condições atuais, governar à esquerda significa governar contra a corrente, isto é, governar sem dominar os parâmetros gerais do poder que domina nas relações econômicas, sociais, políticas, culturais e internacionais. É um governo que para não ser frágil tem de ser duplamente forte: seguro nas raízes e musculado nas asas. É um governo que para ser sustentável não pode apoiar-se apenas  nas instituições políticas e jurídicas. Deve saber relacionar-se organicamente com os movimentos e organizações sociais e mesmo com a ação direta e pacifica dos cidadãos e cidadãs. Deve, sobretudo, saber que as novas forças de direita procurarão essa mesma relação pois a mobilização social e a ação direta não são monopólio da esquerda. Pelo contrário, podem ser as armas mais eficazes contra a esquerda. Por isso, a esquerda suicida-se sempre que desperdiça ou negligencia a confiança que em si depositam os movimentos e as organizações sociais. A confiança fortalece-se com a proximidade solidária assente no respeito da autonomia; enfraquece-se com a distância arrogante e a voracidade do controle.

Reforma política

No Brasil, o atual regime político não permite que se governe de modo coerente à esquerda. A prioridade da esquerda dever ser a reforma política e não o regressar ao governo a todo custo ou o mais rápido possível. Não merece a pena ter ganhos a curto prazo se eles  rapidamente se transformam em perdas de longo prazo. A reforma política pode exigir a convocação de uma assembleia constituinte originária. Tal exigência terá de enfrentar a poderosa contra-reforma liderada pelo sistema judicial e pelos mídia. A reforma política deve ser orientada para permitir uma revolução cultural e social que, a prazo, a sustente e a defenda da persistente contra-reforma política.

Representações

A reforma política deve ser orientada por três ideias: a democracia representativa perdeu a capacidade de se defender das forças antidemocráticas; para que a democracia prevaleça é necessário inventar novas institucionalidades que permitam articular, nas diferentes escalas de governação, a democracia representativa e a democracia participativa; em sociedades dominadas por relações capitalistas, coloniais e patriarcais a democracia, tal como a esquerda, estão sempre em risco; só uma vigilante economia de cuidado lhes permite sobreviver e florescer.

Antrevista por Vitor Taveira Especial para Caros Amigos

Publicada em http://jornalggn.com.br/noticia/boaventura-de-sousa-santos-quinze-questoes-para-uma-nova-esquerda

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