"Eu venho de uma família racista, machista e preconceituosa. A imensa maioria da classe média é assim. Venho de um estado machista, racista e bairrista ao extremo. Cresci ouvindo bisavós e avós dizendo piadinhas sobre cor e gênero.
Meus pais lutaram muito para romperem o ciclo. Por muito tempo, quando dava aula, usei destes expedientes. Piadas machistas, provocações sexistas e tudo mais. O racismo eu sempre abominei. Tinha um colega no CMPA que acabou sendo o único negro na turma de terceiro ano. Turma com mais de 70 alunos. Um negro. Ele sofria demais, tudo era "culpa dele". Havia uma professora de história, mulher e negra que foi apelidada de "macaca". A maioria dos colegas a chamava assim. Inclusive um colega judeu (o único) que também sofria preconceito por ser judeu. Era tudo entendido como "normal". Eu nunca compartilhei destas práticas.
No terceiro ano de faculdade, estava fazendo uma disciplina na Educação com uma professora doutora em estudos de gênero e entabulei discussão ríspida com ela porque, segundo eu, "não entendia a necessidade e mesmo função social dos estudos de gênero, que nada acrescentavam na História". Eu já tinha o pedantismo de alguns (maus) doutores sem um centésimo das leituras. Coisas da juventude. A professora, ao invés de me linchar publicamente, me chamar de ignorante ou efetivamenre me ignorar, na aula seguinte ela trouxe uma enormidade de estudos de gênero na história (a "minha área"). Apresentou todos, um a um, mostrando onde, efetivamente, a perspectiva de gênero mudou o entendimento da História. Foi o último "sacode lelê" que tomei na faculdade. Decidi ler tudo (ou muito) antes de falar sobre algum assunto. Foi didático.
Até hoje me policio diariamente contra o racismo e o machismo que ficaram entranhados como parte da minha formação. É uma luta inglória. "a coisa ficou preta", "ideia seminal", "aquele coitado", "a roupa dela era inapropriada" e tantas outras expressões que passam corriqueiramente pelas nossas mentes e não percebemos que carregam tamanha violência e preconceito. Já enfiei muito o pé na jaca.
Elika - a quem não conheço, de quem não tenho procuração para defender e acho que nem precisa - errou. Acho que errou no tom caricatural do texto original e depois no tom de empáfia do texto se desculpando. Entretanto, se aquela professora tivesse usado a mesma régua que alguns usaram com Elika, eu deveria ter sido enforcado e esquartejado em praça pública. Com os restos dados aos cães. Menos o pênis, que seria queimado em uma cerimônia socialmente dirigida a outros machistas.
A imensa didática daquela professora me permitiu chegar até aqui e me vejo ombreado com a esquerda num momento tão difícil. A truculência ainda que tendo razão, não deixa de ser truculenta. E ela fez com que perdêssemos (em sentido figurado) Elika. Mesmo para se corrigir é preciso ter didática, ainda que se saiba que a sociedade não trata ninguém com cuidado, precisamos lutar por mais compaixão. Por mais paciência e por mais perdão." Por Fernando Horta doutorando em Relações Internacionais - UNB
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