Sol entre nuvens. De chumbo. Por Belle Loivos |
Cidadania | |||
Thursday, 25 May 2017 01:19 | |||
Subi ao 11.o andar do hotel em que me hospedei pra deixar a mala e tive a real dimensão da massa multicolorida que vinha marchando atrás de mim. Fiz de lá de cima as primeiras fotos do #ocupabrasilia. Não intuía àquele momento que seriam as únicas. Desci ainda a tempo de pegar o fluxo com a galera da Andes. Eram 10 pras duas da tarde. Sol entre nuvens. Coração na boca. Segui mais observando do que marchando. Sim, eu estava no coração do Brasil e não sabia se andava pela rua ou na calçada (minha grande questão existencial desde as procissões da semana santa, na minha pequena Cantagalo). A marcha foi se avolumando, passou pela ponte da rodoviária e seguiu. Para onde, meu deus, para onde. Vez por outra, uma parelha de PMs de moto cruzava as esquinas, alinhando a turba. Eles vinham de braços abertos, com seus capacetes que não nos deixavam divisar seus rostos, mas a gente sabia que eles riam. Riam de nós? Riam de que, meu deus pequenino?... Dali em diante, o sol entre nuvens no céu de chumbo parou de sorrir. Antes mesmo que a marcha (pelo menos a da sessão em que eu estava) apontasse na esplanada, começamos a sentir no ar o revés. Barulho de bombas, gás, tiros de bala de borracha. Éramos mulheres, trabalhadores, velhos, crianças (algumas poucas), jovens estudantes (muitos, muitos). Gente, muita gente. Havia cores, havia o vermelho, havia o amarelo, havia camisetas brancas de todas as cores e pleitos. E havia o chumbo do céu e o chumbo das ferraduras dos cavalos da cavalaria da PM. Que cavalos? Eles eram muitos cavalos. E arremeteram contra as cores, as mulheres, os trabalhadores, os velhos, as crianças e os jovens. Minha mão formigou. Paralisou. Não consegui mais fotografar. Tive muito medo. Tentei recuar. Não sei se foram as motos em parelhas ou o casco dos cavalos que vinham, e não estavam longe. Foram nos espremendo, nos diminuindo. A sensação de secura na boca, a sensação de falta de espaço, a sensação de impotência imensamente espaçosa. Companheiros voltavam do front com olhos vermelhos e pó branco no rosto, à maneira dos clowns, e nos davam conta de que a polícia usava, sim, armas letais. Falavam também dos filhos da puta infiltrados que começaram a virar banheiros químicos e queimar tudo. Ouvíamos apelos dos carros de som: “Polícia, não ataque o povo!” Tinha muita gente pobre. Tinha muito povo, não só funcionário público de carreira. Tinha muita gente chão. O sol entre nuvens e o chumbo contra o chão. O ato terminou mais cedo do que o previsto. Mas era um espanto para mim ver a cabeça erguida daquela gente muito gente. Voltamos ao ponto de partida, caminhando ao contrário, já sem fumaça e sem patada de cavalos. E eu vi que havia um sentido nesse caminhar ao contrário. Caminhar contra o cerco. O gingado, o drible do Mané. O sol, lá pras 16h, saiu de dentro das nuvens e brilhou, sem ingenuidade. Os que voltavam estavam ainda coloridos. Os olhos eram coloridos, mais do que as camisetas.
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