Ideologia e fortuna, por Sérgio Saraiva |
Cidadania | |||
Monday, 29 May 2017 07:03 | |||
Feito rapaz, percebeu só ter forças e vontade para atender a um desses três votos. Conservou para si o latim e abandonou o seminário. Seguindo a vocação dos que têm latim, mas não têm dinheiro, tornou-se jornalista. Logo, obediente à sua consciência, opôs-se à Ditadura de 64. Foi preso e teve sua família sujeitada a sérios constrangimentos. Outros colegas seus foram mortos a pauladas antes de terem o cadáver abandonado pendurado pelo pescoço. A estadia na prisão e suas atribulações, no entanto, lhe reforçou os votos de obediência. Dali para frente, obedeceria sempre ao poderoso de plantão. A sorte no amor e na política é vária. E eis que, finda a ditadura, os antigos prisioneiros tornaram-se os mandatários do país – democraticamente eleitos. Apressou-se a apresentar-se a eles – eram seus companheiros de lutas - e a lembrar-lhes todos os seus sofrimentos. Fazia jus a uma reparação. Pleiteou e obteve vultuosa indenização do Estado Democrático pelos crimes da Ditadura– tornou-se um milionário. Mandou à merda os antigos companheiros que lhe lembraram que a luta era ideologia, não investimento, e embolsou o dinheiro. “Às favas os pruridos da consciência”. Não fora ele quem criara essa frase, mas fez dela suas palavras. Agora rico, foi viver entre os ricos. Proprietário de bela morada em frente a lagos e mares da melhor cidade da América do Sul. A sorte no amor e na política é vária. E eis que um novo golpe se implanta no país e os antigos companheiros voltam à prisão. Mas, agora, o velho jornalista, além de velho, já era puta-velha. Mudou de lado, sempre fiel aos seus votos depravados de obediência, tratou de ficar bem com os novos donos do poder. Aprendera: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Passou a acusar os antigos companheiros que haviam lhe proporcionado fortuna de serem eles venais. De terem se vendido e recebido em troca castelos feitos de litros de tinta e muito bafo quente. Aos que lhe afirmavam que tal construção ilusória nada mais era que uma mentira, retorquia que não; que era, antes, uma verdade ainda não provada. Mas plenamente aceita como verdadeira, já que, a mentira que agrada o poderoso, verdade é. E assim, vez por outra, o velho jornalista publica textos em que reafirma sua autoridade em julgar aos outros, pois ainda que ainda que pecador seja, pecou apenas pela carne; sua integridade moral conserva-se tão virginal quanto era o menino recém entrado no seminário. Por malandro que é, o velho jornalista não revela a ninguém um segredo íntimo de tal pureza: sua moral foi abençoada com um hímen complacente. PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia: na arquibancada para a qualquer momento ver emergir o monstro da Lagoa.
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