Carmen Lúcia, o cocar e o temor da fúria da militância de esquerda. Por Nathalí Macedo |
Cidadania | |||
Thursday, 01 June 2017 06:49 | |||
Conhecida pela elegância, aceitou o presente ressalvando: “Branco pode usar isso?” Não esperou a resposta e nem arriscou. Quem arriscaria? Caetano arriscou, quando usou um cocar em um show durante a execução de uma paródia de repúdio a Eduardo Cunha (êta, êta, êta, Eduardo Cunha quer governar minha boceta! – como esquecer?), e sofreu represálias nas redes sociais e fora delas. Vi a hora de ser vaiado, se é que não o foi e estou mal informada. Depois, sofreu represálias de novo por fazer com as mãos o símbolo de uma boceta na música “Homem” – ironia finíssima sobre as masculinidades. Eu, que estava no show, fiz a boceta com as mãos de volta pra ele. Eu quero mais é que homens façam bocetas com as mãos em seus shows, desde que questionem suas masculinidades – Caê fez isso com uma música, e tem coisa mais bonita? E se a presidente do STF – que, sabe-se lá que rumo… – quiser usar um cocar em um momento importante para a questão indígena, que use – desde que se lembre de estar de fato atenta e com um ânimo cooperativo diante da questão indígena (essa parte, sabemos, é mais difícil para o judiciário branco). O julgamento que os índios em questão foram acompanhar na ocasião do presente elegantemente recusado, aliás, diz respeito a uma liminar concedida pelo TRT- 1ª região, permitindo uma mineradora continuasse a explorar uma área indígena no Pará, sem implementação de medidas compensatórias para a comunidade. O que me interessa, então – e sobretudo, certamente, o que interessa a estes índios – não é se Carmen Lúcia usa ou não um cocar – o cocar é dela e a cabeça também, embora pudesse me agradar o simbolismo da cena – mas que cumpra com justiça o papel para o qual foi incumbida. Os índios – tampouco eu – não estão preocupados com o cocar. Estão preocupados com suas vidas. Dar importância a detalhes desimportantes não são uma especialidade das minorias, são uma especialidade da militância pós-moderna – na qual, tantas vezes, me incluo (que seja um exercício de autocrítica). Usar cocar sem ser índio é apropriação cultural, diriam. E a discussão sobre apropriação cultural – que envolve o conceito de cultura e de propriedade (spoiler: uma coisa não tem a ver com a outra) – é muito mais amplo que um cocar, um turbante ou um artigo de jornal. Ao fim e ao cabo, cultura não tem um dono. E eu usaria o cocar se ganhasse um e combinasse com o tom do meu terninho. Agenda índios (31/05/17) Artigo publicado originalmente em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/carmen-lucia-o-cocar-e-o-temor-da-furia-da-militancia-de-esquerda-por-nathali-macedo/
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