Juízes da Mãos Limpas viraram atores políticos, diz historiador italiano. Por Igor Gielow |
Cidadania | |||||||||
Wednesday, 30 August 2017 05:40 | |||||||||
A descrição da Itália da Mãos Limpas em 1994 encaixa-se em vários dos cenários desenhados para o Brasil da Lava Jato em 2018. A despeito do abismo separando suas realidades, a crise de representatividade é comum. Vinte e três anos depois de ser eleito, o ex-premiê Silvio Berlusconi ainda é influente, mas representa uma falência institucional que só poderia ter sido combatida se a solução em 1994 tivesse ocorrido dentro da política. Essa é a opinião de um dos principais historiadores do fenômeno do berlusconismo, Giovanni Orsina, professor da universidade LUISS-Guido Carli, em Roma. Ele evitou comparações, mas em suas colocações há grandes similaridades com o debate atual no Brasil. "A lição que ficou da crise na Itália é uma muito difícil de ser ouvida: a política é uma atividade necessária", disse, por telefone, o autor de "O Berlusconismo na história da Itália" (2013, disponível em italiano e inglês). Orsina, 50, critica aspectos "moralistas" de juízes da Operação Mãos Limpas, que varreu os partidos tradicionais de 1992 a 1994 e viu seu magistrado-símbolo, Antonio di Pietro, virar político. - Giovanni Orsina, 50Nascimento Formação Obras - Para ele, Berlusconi era o que a sociedade queria: apolítico, empreendedor e rico —logo, "não precisaria roubar". A história mostrou-o farsesca, até porque no seu primeiro mandato como primeiro-ministro até 1995 ele ajudou a desmontar a Mãos Limpas. Tornou-se a figura central no país, sendo premiê outras duas vezes (2001-6 e 2008-11), mas também encarna a caricatura do corrupto. Ele está banido de cargos públicos até 2019, por corrupção, mas lidera o terceiro maior partido do país e quer disputar as eleições em 2018. * Folha - Passados 25 anos, qual o legado da Mãos Limpas? Quando o sr. fala em sociedade civil, está falando de uma ideia de elite? Acharam que se você se livrasse de bodes expiatórios, tudo ficaria bem. Apoiaram a Mãos Limpas, só que nada foi plantado exceto a ideia de que a política é ruim, e que os magistrados eram mágicos. Pediam a mudança, mas não aceitavam dar os instrumentos a quem poderia fazê-la. Acabou com o sistema. O sr. descreve a Mãos Limpas como um evento político. O Judiciário agiu politicamente na Mãos Limpas? Até certo ponto, eu acho, alguns dos magistrados tinham sim uma agenda. E entraram na política. Tanto que ele apareceu em um programa de TV fazendo café da manhã, um verdadeiro herói do povo. Depois ele viria a fundar um partido, o Itália de Valores [em 1998], cujo nome diz tudo. Paradoxalmente, esse clima de moralismo abriu caminho para Silvio Berlusconi. E há mais: a sociedade civil julgou que estava na hora de colocar um dos seus, o melhor dos seus integrantes, no poder. Ele nem precisaria roubar, pois era bilionário. E encarnava o trabalho duro, o empreendedor, o "self-made man". Era uma solução brilhante. Num lance genial, ele tentou trazer a Mãos Limpas para o governo [em 1994], convidando Di Pietro para o ministério [que não aceitou e investigou Berlusconi]. Era o filho da revolução, só depois o chamaram de ilegítimo. Mas permanece influente. Ele está de volta, está fazendo política e vai influenciar nas eleições de 2018. A Itália nunca se recuperou das Mãos Limpas. O sistema político ficou tão enfraquecido que mesmo um personagem como Berlusconi, acusado de tantas coisas, ainda é um grande ator. A culpa é da sociedade então? O Brasil passa por uma situação que guarda muitas analogias com a Itália de 1992, 1994. Que lição poderia ser dada sobre tudo o que aconteceu? Políticos têm de ser bem pagos para fazer seu trabalho sem desvio, e se você não der os instrumentos, a política falhará. Se ela falha, o campo fica aberto e é povoado por todo tipo de personagem. A Itália não aprendeu a lição. No Brasil, há uma discussão sobre adoção do parlamentarismo. Aqueles contrários citam o exemplo italiano, com grande instabilidade, como argumento. O que o sr. acha?
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