Sombra de Delcídio e Cunha em decisão sobre Aécio. Por Paulo Moreira Leite |
Cidadania | |||
Saturday, 14 October 2017 06:50 | |||
Não representa a consolidação de uma jurisprudência necessária nem afasta qualquer suspeita de motivação política óbvia, para favorecer um dos generais do PSDB e aliado de Michel Temer. Em duas decisões análogas, tomadas em tempos recentes, o mesmo Supremo deliberou em outra direção. Em 25 de novembro 2015, acusado de obstruir a Justiça a partir de um diálogo gravado com auxílio de procuradores da força tarefa da Lava Jato, Delcídio do Amaral (PT-MS) foi mandado para a prisão por tempo indeterminado. Só saiu após assinar acordo de delação premiada menos substancioso do que se dizia, mas que ajudou a engrossar o ambiente midiático contra Lula e Dilma. A decisão foi tomada pelo relator da Lava Jato, Teori Zavaski, e referendada, por unanimidade, pela Segunda Turma do STF. Em 5 de maio de 2016, Teori Zavaski determinou o afastamento de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara de Deputados. A denúncia contra Cunha chegou ao Supremo em dezembro do ano anterior e ali adormeceu por cinco meses. Antes de ser afastado, Cunha pode aceitar a denúncia que levaria ao impeachment de Dilma e teve todas as condições de organizar a sessão da Câmara que deu início ao processo, ocorrida três semanas antes de ser retirado do argo. em 17 de abril. Num depoimento ao 247, o constitucionalista Marcelo Neves, professor na Universidade de Brasília, disse: --A decisão parece-me constitucionalmente mais aceitável mas é incoerente com outras decisões do STF, como no caso de Eduardo Cunha, quando o plenário ratificou, posteriormente, a decisão de Teori Zavaski. Tocando na questão política geral, Marcelo Neves avalia: “o problema é que o próprio Senado não cumpre sua função constitucional de afastar e até mesmo de cassar Aécio”. Em 2012, no julgamento da AP 470, ocorreu uma situação diferente, pois a questão do mandato surgiu no final dos trabalhos do STF, que ali atuou como tribunal. Mesmo assim, ocorreu um debate com pontos de contato com aquele realizado na quarta-feira. Os ministros decidiram, por 5 votos a 4, que não só deveriam determinar a perda dos direitos políticos de três deputados condenados, mas também cassar seus mandatos, reservando à Câmara uma simples tarefa burocrática, declaratória, de formalizar a decisão. Em situação diferente – o julgamento já estava encerrado – o debate também envolveu a palavra final sobre as imunidades dos parlamentares, que, conforme já lembrei aqui, devem ser respeitadas inclusive “sob estado de sítio”, diz o artigo 53 da Constituição. Há cinco anos, a discussão em plenário do STF concentrou-se no artigo 55 da Constituição, que diz que esta é uma atribuição reservada ao Legislativo. Maioria em 2017, os ministros partidários dessa posição ficaram em minoria, em 2012, novamente pela diferença de um voto. Um dos votos mais importantes a favor da cassação, o decano Celso de Mello disse que qualquer reação do Congresso que contrariasse a decisão do Supremo seria “inaceitável, intolerável, inadmissível”. Falou em “insubordinação”, expressão que implica na existência de uma hierarquia entre os poderes da República. Comparando os votos de 2012 e em 2017, verifica-se que, entre os oito ministros presentes aos dois julgamentos, três assumiram uma postura diferente em relação às imunidades parlamentares. Como relator, Gilmar Mendes defendeu a cassação “automática,” no que foi acompanhado por Marco Aurélio Mello. Cinco anos mais tarde, ambos defenderam que o caso Aécio fosse resolvido pelo Senado. Rosa Weber preferiu que o destino dos parlamentares fosse resolvido por sua casa legislativa em 2012. Teve postura diferente, em 2017. Os demais – cada um em sua opção – mantiveram-se em postura semelhante nos dois casos: Ricardo Lewandovski, Carmen Lucia e Dias Toffoli, favoráveis a uma decisão na Câmara. Luiz Fux e Celso Mello, favoráveis ao afastamento pelo STF. Neste período de cinco anos, muitas águas passaram sob a ponte do Supremo. Longe da severidade das togas negras, que deveriam contribuir para que se tornassem invisíveis, a AP 470 marcou o início de um período de nossa história no qual os ministros disputam espaço na vida política, tentando conquistar uma influência que levou Fernando Henrique Cardoso a dizer que podem ser comparados aos "generais de quatro estrelas" do período militar. Falam sobre tudo, tem opinião sobre quase tudo e boa parte não faz silêncio sequer sobre casos que deveriam manter sob reserva, pois podem acabar sendo chamados a votar sobre eles. Nesta situação, mesmo quando toma uma decisão acertada, como ocorreu na quarta-feira, o STF não consegue evitar a visão de que, para além das boas causas jurídicas, pode-se apontar uma motivação política oculta por trás. Como os observadores mais atentos irão se recordar, a matriz desse comportamento nasceu num período em que o STF julgou-se acima dos demais poderes e se repetia, em plenário, a noção de que "a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é." O nome é disso é perda de credibilidade. O saldo desse comportamento é a dificuldade de construir referências indispensáveis à segurança jurídica, um dos traços essenciais da vida sob o Estado Democrático de Direito. Artigo publicado originalmente em https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/322171/Sombra-de-Delc%C3%ADdio-e-Cunha-em-decis%C3%A3o-sobre-A%C3%A9cio.htm
|
|||
Last Updated on Sunday, 15 October 2017 11:43 |
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |