Depois do ódio. Por Luiz Carlos Bresser-Pereira |
Cidadania | |||
Thursday, 28 December 2017 03:21 | |||
Por que esse ódio? Afinal o governo de Lula nada teve de radical; definitivamente não prejudicou as elites econômicas brasileiras. No artigo do 2014 eu usei como explicação a observação de Claudio Gonçalves Couto sobre o “incômodo” dessas elites, inclusive a classe média tradicional, de encontrarem nos aeroportos e nos shopping centers representantes da classe C. Essa explicação tornou-se, depois, paradigmática, mas hoje quero oferecer uma explicação mais ampla para o ódio na política brasileira. Jesse Souza está fazendo grande sociologia crítica, como há muito tempo não acontecia no Brasil. E sua crítica se estende aos intelectuais. Seu último livro, “A Elite do Atraso” precisa ser lido. É obra de um intelectual crítico, não de um intelectual-político; ele pensa de acordo com a ética da convicção, não a ética da responsabilidade. Por isso, não é possível deduzir políticas diretamente de sua crítica, que é radical, mas ela obriga a pensar. Para Jessé, o que define o Brasil é a escravidão. É uma interpretação melhor do que a do “patrimonialismo”, que ele critica porque entende que esta é uma forma de empurrar a culpa do nosso atraso econômico e políticos para o Estado, seus políticos e seus burocratas, deixando a elite econômica esquecida, e do “populismo”, que seria uma forma demonstrar a incapacidade do povo de votar de maneira “certa”. A meu ver, faz pouco sentido explicar a corrupção hoje existente no Brasil com o patrimonialismo; essa corrupção é capitalista, deriva de ser o dinheiro ou o capital o valor maior nesse tipo de sociedade. Quanto ao populismo político – a relação direta do líder político com o povo sem a intermediação dos partidos e ideologias –, ele muitas vezes é a maneira de um povo, por séculos ignorado, atuar na política pela primeira vez. A escravidão é ainda a marca maior da sociedade brasileira, porque ela durou tempo demais, e porque abrangeu uma grande parte da população, tornando o Brasil um país mestiço. Ao colocarmos a escravidão no centro da interpretação do Brasil, compreendemos porque, objetivamente, a sociedade brasileira é tão desigual, e, no plano subjetivo coletivo, porque o preconceito social e racial é tão grande nas nossas elites inclusive a classe média tradicional. Estava essa elite posta em sossego até que, em 1986, o Brasil se tornou um país democrático, ao garantir o sufrágio universal. Os analfabetos passaram a ter direito a voto, associaram-se ao restante da maioria da população pobre, e se tornaram uma força política. Que escolheu Lula como seu líder. Vem daí o ódio a Lula. De haver nascido deste povo, e não ter renunciado a ele. Ele poderia tê-lo feito; tantos políticos de esquerda se deixam cooptar. Lula fez acordos, mostrou que não podia governar sem algum apoio dessas elites, e fez o melhor dos seus esforços para chegar a um acordo com elas, mas continuou povo, e isto é indesculpável. Estará o Brasil condenado ao ódio e ao desentendimento? Não creio, porque a elite brasileira não é um monólito. Ainda que uma minoria, há nela muitos nela que sabem que seu preconceito social e racial precisa ser superado, que o ódio é irracional e insustentável. Uma nação e uma democracia não podem existir sem política, e nela não há lugar para inimigos a serem excluídos, mas para adversários que se respeitam. O ano que está para começar é ano de eleições presidenciais. É um momento no qual a política precisa estar viva, livre e atuante, com candidatos defendendo programas e ideias, não exercitando o ódio. Assim teremos um presidente eleito democraticamente, seja quem for ele, e o caminho possível, mas difícil, para o depois do ódio, para a pacificação dos espíritos, estará à nossa frente. Sobre Luiz Carlos Bresser-Pereira Sobre
Professor emérito da FGV onde ensinaeconomia, teoria política e teoria social. Foi Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado. ![]() Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas onde pesquisa e ensina teoria econômica e teoria política desde 1959. Ele foi Ministro da Fazenda (1987) e Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (1995-98). É doutor honoris causae pela Universidade de Buenos Aires. É autor, entre outros livros, de Construindo o Estado Republicano (FGV, 2004), Macroeconomia da Estagnação (Editora 34, 2007), Globalização e Competição (Campus, 2009), Developmental Macroeconomics (Routledge, 2014) e A Construção Política do Brasil (Editora 34, 2015). Suas pesquisas atualmente concentram-se sobre o novo desenvolvimentismo, o Estado e a macroeconomia desenvolvimentista. Prêmios Professor Emérito da FGV (2005). Doutor Honoris Causae pela Universidade de Buenos Aires (2010). Prêmio James Street Scholar da Association for Evolutionary Economics (2012). Intelectual do Ano - Troféu Juca Pato (2015)
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