Eleição pode produzir geopolítica de sonho: Obrador no México, Lula no Brasil. Por Paulo Moreira Leite |
Cidadania | |||
Wednesday, 22 August 2018 06:02 | |||
Em janeiro de 2019, em Brasília, o novo presidente do Brasil toma posse. Caso as urnas confirmem aquilo que está escrito em todas as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva retorna a presidência para cumprir o quinto mandato do Partido dos Trabalhadores -- o terceiro em sua vida política. Se isso acontecer, a diplomacia mundial estará diante de um evento histórico, que poucas vezes se repetiu desde a chegada de Colombo ao Novo Mundo. Tanto o Brasil, a primeira economia do Continente, como o México, a segunda, terão à frente presidentes que comungam num mesmo universo político. Carregam compromissos que, apesar de diferenças de todo tipo, podem ser enquadradas numa mesma família política. Prezam o desenvolvimento econômico, a ampliação do mercado interno e a distribuição de renda. Residentes na área de dominío próximo e mais intenso do Império dos Estados Unidos, não pretendem uma ruptura com a força dominante mas cultivam um projeto que se afasta da postura de subordinação permanente que marcou seus principais antecessores. É preciso retornar à década de 1930 para encontrar uma situação semelhante no Continente. Apesar das imensas distâncias na cultura e na formação social, México e Brasil percorriam trajetórias semelhantes. Há 80 anos, quando o mundo assistia a expansão do nazi-fascismo na Europa, e a América de Franklin Roosevelt se debatia para vencer a Grande Depressão, brasileiros e mexicanos possuiam governantes que fizeram história a partir de projetos de mudança com ideias aparentadas. No Brasil, o tenetismo levou Getúlio ao poder, no qual uma república belle-epoque foi levada a reconhecer os direitos do povo através da CLT, a abrir caminho para a industrialização e negociar, com soberania, seus interesses e parceiros no mundo, como fez com a criação da Usina de Volta Redonda, ponto de partida da industrialização das décadas seguintes. General da revolução mexicana, ex-governador do Estado natal como Vargas, em seis anos de mandato, entre 1934 e 1940, Lazaro Cárdenas nacionalizou as reservas de petróleo, efetivou uma reforma agrária que Emiliano Zapata só pode planejar. Fez uma revolução no sistema educacional e, numa semelhança óbvia com o colega brasileiro, ajudou a criar sindicatos de trabalhadores e camponeses. Afastados por décadas, as correntes políticas do México e Brasil voltaram a aproximar-se de verdade na década de 1980. Desta vez, contudo, produziam a cursos opostos, que levaram a destinos também diferentes. Miguel de La Madri foi o primeiro presidente da região a render-se ao programas do Fundo Internacional, arrastando um bloco de países atrás de si, inclusive o Brasil. Também foi o México que assumiu com toda força as linhas de um programa conservador chamado Consenso de Washington, decisão que, por um curto período, deu à elite do país a ilusão de que havia sido promovida a parceira preferencial dos verdadeiros senhores do Continente. Atendendo a apelos diretos de George Bush, pai, e Bill Clinton, o México assinou os acordos comerciais do Nafta. Após uma etapa inicial, que até alimentou a ideia de se criar a ALCA para abarcar as principais economias do Continente, a começar pelo Brasil, constatou-se que a riqueza do país fora transformada em reserva de caça para os interesses norte-americanos. Forçada a competir com rivais do outro lado do Rio Grande, uma massa imensa de agricultores que sobrevivia através da pequena propriedade foi arruinada. Os trabalhadores tornaram-se mão-de-obra barata a serviço da economia desenvolvida, enquanto jovens desamparados foram convocadas a integrar quadrilhas que fizeram do país um corredor do tráfico de drogas destinado aos Estados Unidos. Vítimas de uma ditadura de partido único em decomposição, o povo mexicano resistiu por décadas a um sistema de fraudes, corrupção e violência política até conseguir eleger Lopez Obrador, titular de um programa que lembra Lula em 2002, pela combinação de ideias de mudança e disposição para negociação. Nos anos Lula-Dilma, o país deslocou a diplomacia mexicana. Num fato reconhecido pela imprensa norte-americana, consolidou-se na posição de principal liderança do continente, graças à química funcional produzida pelos programas de combate à miséria, ao esforço pelo desenvolvimento -- e àquilo que o ministro Celso Amorim chamou de "diplomacia altiva e ativa". Sabemos o que veio depois. A tragédia em etapas que atingiu a população mexicana jorrou na forma de tempestade que sobre o Brasil de Temer-Meirelles. Forçados a se reconstruir, as duas maiores e mais influentes nações da região, podem reencontrar-se, arrastando a América Latina inteira consigo. Este é o significado de uma possível vitória de Lula, fruto de um movimento de placas teutônicas comparável à força que elegeu Lopez Obrador por 53,6 % dos votos, numa eleição em primeiro turno. O sonho de unidade latino-americano, um dos traços da política desde a década de 1960, pode tornar-se realidade -- por vias democráticas. Não por acaso, a todo momento assistimos a novas demonstrações das forças empenhadas noite e dia para impedir a realização desse projeto. Sabemos que, neste momento, seu alvo principal é a candidatura de Lula e que, com essa finalidade, estão dispostas até a desafiar uma decisão da ONU. Mais do que nunca, é essencial entender o que está em jogo. Alguma dúvida? Artigo publicado originalmente em https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/366039/Elei%C3%A7%C3%A3o-pode-produzir-geopol%C3%ADtica-de-sonho-Obrador-no-M%C3%A9xico-Lula-no-Brasil.htm
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Last Updated on Wednesday, 22 August 2018 06:08 |
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