| Independência ou morte! Por Paulo Nogueira Batista Jr |
| Cidadania | |||
| Tuesday, 06 September 2022 08:09 | |||
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Não foi por outra razão que De Gaulle, a quem o Xá do Irã pediu conselhos no início dos anos 1960, disse em resposta: “Só tenho um conselho a lhe dar, mas é de grande valor: faça tudo o que estiver a seu alcance para preservar sua autonomia de decisão”. Estou recapitulando essas lições gaullistas por estarmos comemorando, nesta semana que entra, 200 anos da independência política do Brasil. A comemoração tem sido fraca. Mais morna do que a comemoração dos 100 anos, em 1922, como lembrou o historiador Luiz Felipe Alencastro. O brasileiro, sempre inclinado a desvalorizar o Brasil, gosta de desdenhar da independência, dizer que ela não se realizou, que foi um fiasco etc. Não vou seguir essa toada vira-latista. A independência em 1822 foi um grande feito luso-brasileiro, em especial porque foi alcançada sem romper a unidade nacional, preservando o imenso Brasil que temos até hoje, com poucas modificações territoriais posteriores. Se o leitor pensa que é pouco, que olhe para a América Hispânica, que após a independência se fragmentou em 19 países, a despeito dos esforços de um Bolívar. Paradoxal que se possa dizer, como disse no parágrafo anterior, que a independência do Brasil em relação a Portugal tenha sido um feito luso-brasileiro. Mas foi. O acordo entre João VI e Pedro I foi a pedra de toque. Permitiu uma transição relativamente pacífica e funcionou como eixo contra as tendências centrífugas que se manifestariam em diversas províncias até os anos 1840, em especial no período da Regência. Com dificuldades, o Rio de Janeiro prevaleceu e o Brasil se manteve unido, como um dos gigantes do planeta. João VI merece mais consideração do que tem recebido, diga-se de passagem. A sua decisão de transplantar a capital para o Rio de Janeiro foi corajosa e sábia. Repare, leitor, que ele fez o que as elites francesas se recusaram a fazer em 1940. O que De Gaulle defendia, quase sozinho, foi exatamente o que o príncipe-regente de Portugal havia feito em 1808 –transplantar o governo para o Império, e continuar a luta. Pétain e outros preferiram a rendição, enquanto De Gaulle e uma minoria de inconformados se instalaram em Londres para dar sequência à guerra contra a Alemanha. A decisão de 1808 foi, como se sabe, o primeiro grande passo para a independência do Brasil. E, se dependesse de João VI, a Corte teria ficado permanentemente no Rio de Janeiro, a nova sede do Império Português, ou Luso-Brasileiro. Porém, as Cortes rebeladas em Portugal forçaram o retorno do rei, que percebendo tudo recomendou ao filho, antes de partir para Lisboa, que se preparasse para liderar a independência do Brasil. Segunda grande jogada de João VI. Pedro I é outro que merece tratamento melhor do que tem recebido dos brasileiros. O seu grito de rebelião às margens do Ipiranga ressoou no Brasil inteiro. Arrancando as insígnias de Portugal, proclamou: “Laços fora, soldados! As Cortes de Portugal querem nos escravizar. Independência ou morte!”. Não me venham, por favor, dizer que “Ah, mas houve isso, houve aquilo, Pedro I continuou português, não abraçou a causa brasileira inteiramente etc.”. Não se engane, querido leitor e compatriota: é sempre possível depreciar qualquer coisa. As grandes nações nunca fazem isso com os seus momentos de virada histórica. Os franceses nunca ou quase nunca pensam em reabilitar Pétain e seus asseclas, ou diminuir o feito de De Gaulle em 1940. Os ingleses não ficam repisando os pontos fracos de Winston Churchill, que não são poucos, diga-se. As lendas nacionais são, sim, submetidas ao crivo analítico e crítico da História, mas não de forma indiscriminada e destrutiva. Churchill, por exemplo, rigorosamente falando, foi um terrorista em grande escala. E não é difícil provar. Basta mencionar a destruição total de Dresden – um ato límpido e cristalino de terror, de terror puro e simples. Um inglês dificilmente aceitaria essa designação para Churchill. E com razão. O terrorismo e outras deficiências de Churchill não diminuem a grandeza da sua principal realização – a de ter continuado a guerra contra Hitler praticamente sozinho, quando quase todos haviam desistido. Volto ao Brasil. Sim, leitor, independência ou morte! A escolha é clara: independência ou a vida diminuída das colônias e das nações subordinadas! Se existissem nações hegemônicas benevolentes, ainda poderíamos optar por nos colocar à sombra de uma delas. Mas isso nunca existiu e nunca existirá. A dinâmica política interna nos países mais avançados exige que o interesse nacional passe na frente dos interesses dos povos colonizados ou subordinados. Estes serão sempre submetidos ao propósito de facilitar a solução dos problemas e conflitos da metrópole, como mostra inequivocamente a história milenar dos impérios de todos os tempos. Vamos, portanto, comemorar sem inibições os 200 anos do Grito do Ipiranga, valorizar o que alcançamos e lutar para que a nossa independência seja preservada e reforçada no século 21 e depois. *** Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 2 de setembro de 2022
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