Além do julgamento por Jânio de Freitas |
Cidadania | |||
Monday, 16 September 2013 03:31 | |||
Foi pródiga, nesse sentido, a sessão em que o Supremo se inviabilizou no empate de cinco a cinco, que vale o mesmo que o empate de zero a zero, duas partes que se anulam. O que reduziu todo o poder de decisão, no Olimpo do Judiciário, à voz de um só. A discussão entre os ministros Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso, por exemplo, tem a ver com mais do que a influência da opinião externa, ou “do país”, sobre o tribunal. Em resposta a Barroso, que se disse subordinado à sua consciência de juiz e não à multidão, e muito menos ao que dirão os jornais do dia seguinte, Marco Aurélio proclamou-se subordinado, sim, “aos contribuintes” a que “deve contas”. É um assunto que deveria figurar entre as preocupações permanentes das redações e dos seus jornalistas, dos críticos culturais, dos colunistas de costumes, de procuradores e promotores públicos, e de muitos outros. Deveria. A regra predominante, considerado o conjunto das atividades sensíveis ao tema, é procurar se “dar bem” fazendo “média” com a tendência mais favorecedora. No caso suscitado pelos dois ministros, a prevalência da opinião mais exposta poderia até dispensar os juízes e os julgamentos, bastando aplicar a presumida vontade dos “contribuintes”. E ainda chamar isso de “democracia direta”, para alegria de certos esquerdoides. Mas o risco não é de desemprego. A “vontade do povo” foi um argumento utilizado por juízes na Alemanha nazista e depois repetido nos julgamentos em que foram eles os réus, no pós-guerra. E, mesmo sem chegar a extremos políticos, sabe-se que a opinião do povo, da multidão, do contribuinte, ou lá que categoria se use, é manipulável e pode ser distorcida pelos meios que aparentemente a refletem quando, de fato, a induzem. Opinião pública: o que é isso, afinal? Não foi Marco Aurélio nem foi Barroso quem suscitou o tema. Foi Gilmar Mendes. A sessão seria cansativa, com votos muito extensos, não fosse Gilmar Mendes oferecer uma representação criativa, e a TV estava ali também para isso, como sempre. Dramático, espacial nos gestos teatrais, a voz ondulante como nos mares bravios, o ministro tonitruou um discurso à maneira dos tribunos das oposições de outrora, bem outrora. Estava preocupado porque “o país está a nos assistir” (o infinitivo dos portugueses, em vez do gerúndio dos brasileiros, é permanente, digamos, no seu estilo). E o STF não pode decepcionar esses espectadores, povo, contribuintes, as ruas. Preocupação muito reiterada, em especial, com referência ao número absurdo de sessões consumidas pela Ação 470: já 53! Um absurdo! E tome exclamações. Foi bom o ministro recorrer à velha oratória, mas não à velha aritmética. Iria lembrar-se de que a Ação 470 levou 38 réus ao STF. Logo, implicou 38 julgamentos. Em média, portanto, cada um não ocupou nem uma sessão e meia. Incluídas no total e na média as sessões que não foram exatamente de julgamento, mas ocupadas com os recursos chamados embargos declaratórios e já com os combates pelos embargos infringentes. Se a aritmética é lembrada, lá se ia um pedaço fundamental da representação. Tanta preocupação com o esperado do STF pelos espectadores e contribuintes (não são necessariamente a mesma coisa, sabendo-se que a classe alta acompanha o julgamento com o mesmo interesse que aplica na sonegação –e há quem diga que pelos mesmos motivos) leva a alguma dúvida. Porque, até onde se soube com certeza em nossos dias, o que todo cidadão brasileiro pleiteia do Judiciário é a segurança de que cada um conte com a busca da verdade e da justiça possíveis, para que ninguém seja injustiçado por pressa de juiz nem por interesses políticos ou econômicos. Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo
|
|||
Last Updated on Monday, 16 September 2013 04:38 |
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |