O golpe de Estado de 2016 no Brasil. Por Michael Löwy |
Dando o que Falar | |||||
Sunday, 26 June 2016 15:58 | |||||
A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada em Honduras e no Paraguai (países que a imprensa costuma chamar de “República das Bananas”), ela se mostrou eficaz e lucrativa para eliminar presidentes (muito moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num país que tem o tamanho de um continente… Podemos fazer muitas críticas a Dilma: ela não cumpriu as promessas de campanha e faz enormes concessões a banqueiros, industriais, latifundiários. Há um ano a esquerda política e social cobra uma mudança de política econômica e social. Mas a oligarquia de direito divino do Brasil – a elite capitalista financeira, industrial e agrícola – não se contenta mais com concessões: ela quer o poder todo. Não quer mais negociar, mas sim governar diretamente, com seus homens de confiança, e anular as poucas conquistas sociais dos últimos anos. Citando Hegel, Marx escreveu no 18 de Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos históricos se repetem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Isso se aplica perfeitamente ao Brasil. O golpe de Estado militar de abril de 1964 foi uma tragédia que mergulhou o Brasil em vinte anos de ditadura militar, com centenas de mortos e milhares de torturados. O golpe de Estado parlamentar de maio de 2016 é uma farsa, um caso tragicômico, em que se vê uma cambada de parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubar uma presidente democraticamente eleita por 54 milhões de brasileiros, em nome de “irregularidades contábeis”. O principal componente dessa aliança de partidos de direita é o bloco parlamentar (não partidário) conhecido como “a bancada BBB”: “Bala” (deputados ligados à Polícia Militar, aos esquadrões da morte e às milícias privadas), “Boi” (grandes proprietários de terra, criadores de gado) e “Bíblia” (neopentecostais integristas, homofóbicos e misóginos). Entre os partidários mais empolgados com a destituição de Dilma destaca-se o deputado Jair Bolsonaro, que dedicou seu voto aos oficiais da ditadura militar e nomeadamente ao coronel Ustra, um torturador notório. Uma das vítimas de Ustra foi Dilma Rousseff, que no início dos anos 1970 era militante de um grupo de resistência armada, e também meu amigo Luiz Eduardo Merlino, jornalista e revolucionário, morto em 1971 sob tortura, aos 21 anos de idade. O novo presidente, Michel Temer, entronizado por seus acólitos, está envolvido em vários casos suspeitos, mas ainda não é alvo de investigação. Uma pesquisa recente perguntou aos brasileiros se eles votariam em Temer para presidente da República: 2% responderam que sim… Em 1964, grandes manifestações “da família com Deus pela liberdade” prepararam o terreno para o golpe contra o presidente João Goulart; dessa vez, multidões “patrióticas” – influenciada pela imprensa submissa – se mobilizaram para exigir a destituição de Dilma, em alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares… Formadas essencialmente por brancos (os brasileiros são em maioria negros ou mestiços) de classe média, essas multidões foram convencidas pela mídia de que, nesse caso, o que está em jogo é “o combate à corrupção”.
O que a tragédia de 1964 e a farsa de 2016 têm em comum é o ódio à democracia. Os dois episódios revelam o profundo desprezo que as classes dominantes brasileiras têm pela democracia e pela vontade popular. O golpe de Estado “legal” vai transcorrer sem grandes obstáculos, como em Honduras e no Paraguai? Isso ainda não é certo… As classes populares, os movimentos sociais e a juventude rebelde ainda não deram a última palavra. * Artigo enviado pelo autor diretamente ao Blog da Boitempo. A tradução, a partir do original em francês, é de Mariana Echalar ? Michael Lowy é um pensador marxista brasileiro, radicado na França
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