“Impeachment” é o novo apelido do golpe. Por Alex Solnik |
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Friday, 29 July 2016 12:49 | |||
Tal como hoje, quando está em curso mais um, pois não há crime da presidente, como requer a constituição, mas os golpistas, a classe média e os meios de comunicação tradicionais preferem apelidar de “impeachment”. Em 1922 militares conspiraram contra o presidente civil e eleito diretamente chamado Epitácio Pessoa. O principal adversário do governo era o Marechal Hermes da Fonseca, um ex-presidente (1910-1914). Ele começou campanha contra Pessoa porque o presidente mandou o Exército reprimir revoltas populares no Recife (o marechal exortou os militares a desobedecerem ao presidente) e depois porque o Ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, era um civil. Incomodado com o “governo paralelo” do marechal, no dia 2 de julho de 1922 Pessoa mandou prendê-lo e fechou o Clube Militar. Os aliados do marechal resolveram revidar e iniciaram um levante para derrubar o governo. Transformaram o Forte de Copacabana em quartel-general do golpe. Eram poucos, 308 no início, mas apenas 20 seguiram o tenente Siqueira Campos na tresloucada aventura de enfrentar as tropas governistas em pleno centro do Rio de Janeiro, no dia 6 de julho de 1922. Ainda assim, entraram em combate e, como era previsível, tombaram todos. Foi tentativa de golpe contra um governo legítimo, mas os rebeldes ganharam a aura de heróis e sua iniciativa foi apelidada de “Revolta dos 18 do Forte”. Não satisfeitos, os tenentes tentaram derrubaram Arthur Bernardes, eleito depois de Epitácio Pessoa e empossado em novembro de 1922, sob estado de sítio. Em julho de 1924 tentaram tomar o poder ao invadir a cidade de São Paulo, que controlaram por três semanas, até que foram expulsos. Fugiram para o estado do Paraná, onde uniram-se a tenentes gaúchos e resolveram conspirar de novo contra o presidente eleito, marchando pelo interior do país nos dois anos seguintes. Não conseguiram derrubar Bernardes, mas sua tentativa de golpe não foi chamada de golpe e sim de “Marcha da Coluna Prestes”. Na eleição presidencial de 1930, o paulista Júlio Prestes derrotou o gaúcho Getúlio Vargas nas urnas, mas foi acusado de fraude. Era uma acusação inverossímil, já que Prestes tivera apoio em 17 estados e Vargas apenas em três, mas gaúchos, mineiros e paraibanos apoiados por militares governistas derrubaram o ainda presidente Washington Luís no dia 24 de outubro de 1930, para evitar a posse de Júlio Prestes. Washington Luís resistiu o quanto pôde em deixar o Palácio do Catete, mas foi convencido pelo cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Sebastião Leme, que o acompanhou no carro presidencial, um Ford Bigode, até o Forte de Copacabana, onde ficou preso durante 27 dias. Para qualquer historiador isento foi um golpe clássico – um presidente eleito foi expulso do palácio por forças militares – mas até hoje chamam isso de “A Revolução de 1930”. E não de “Golpe de 1930”. Vargas não cumpriu a Constituição, segundo a qual deveria haver novas eleições em 1934 e foi ficando no Palácio do Catete. Até que, no dia 10 de novembro de 1937, deu um golpe dentro do golpe: fechou o Congresso Nacional, rasgou a Constituição vigente e mandou escrever outra, queimou livros, implantou a censura e a tortura política. E deu ao seu golpe o apelido de “Estado Novo”. E à sua ditadura o apelido de “democracia”. (Tanto é que, no dia seguinte ao fechamento do Congresso, 11 de novembro de 1937 seu Ministro da Guerra mandou publicar um comunicado nos jornais dizendo que, quem contestasse o Estado Novo estaria conspirando contra a “democracia”.) Dois movimentos – a “Intentona Comunista”, em 1935 e o “Punch Integralista”, em 1938 – tentaram, sem sucesso, derrubar Vargas que se aguentou até 1946. O DNA golpista dos políticos brasileiros voltou a se manifestar em 1956. A UDN, tendo Carlos Lacerda à frente, deflagrou violenta campanha contra a posse dos eleitos, Juscelino Kubitcheck (presidente da República) e João Goulart (vice) alegando que não tiveram maioria absoluta – o que a Constituição não exigia, mas como a Constituição no Brasil não vale muita coisa, os udenistas foram em frente, dividindo o país entre os que eram contra e os que eram a favor da posse. Foi então que o coronel Bizarria Mamede tomou posição contra a posse de JK e, como ele servia na Escola Superior de Guerra, vinculada à presidência da República, o ministro da Guerra, marechal Lott, entendendo que ele quebrara a hierarquia militar, exigiu que o presidente Café Filho, sucessor de Getúlio, o punisse. Antes de decidir, Café Filho teve um distúrbio cardiovascular e baixou hospital. Foi substituído, então pelo presidente da Câmara, Carlos Luz, como mandava a Constituição. Lott voltou à carga, mandou Luz afastar Mamede. Mas como Luz concordava com Mamede, ignorou o ultimatum de Lott. Derrotado, Lott resolveu deixar o ministério. No entanto, quando já preparava a transmissão de cargo, foi convencido por seus colegas, principalmente pelo general Odilo Denis, a voltar atrás, reassumir o ministério e derrubar o presidente interino. Embora tivesse a fama de “legalista”, o marechal topou a parada. Ocupou com suas tropas a capital do país, impedindo o presidente de entrar no palácio. Luz bateu em retirada, embarcou no navio Tamandaré no qual viajou a Santos e depois para o exílio, na Europa. Foi outro golpe clássico – militares não deixaram o presidente entrar em seu palácio e o expulsaram do país – mas passou para a história como o “Movimento de 11 de Novembro”. E, para “legalizar” tudo, no mesmo dia 11, o Congresso Nacional, em sessão extraordinária aprovou, por 228 votos contra 81, o “impedimento” de Carlos Luz, empossando Nereu Ramos, vice-presidente do Senado em exercício, na presidência da República, que reconduziu Lott ao Ministério da Guerra. No dia 21 de novembro, já restabelecido, Café Filho anunciou que iria reassumir a presidência da República, mas Lott não deixou, alegando que ele conspirava contra a posse de Juscelino (como se alguém pudesse conspirar da cama de um hospital). Rasgando mais uma vez a Constituição, em nome do “respeito à Constituição”, Lott ocupou com tropas o Palácio do Catete para impedir a entrada de Café Filho. O convalescente dirigiu-se então ao apartamento onde morava. Encontrou o prédio também cercado por tropas. Teve permissão para entrar, mas não para sair. Ficou em prisão domiciliar até a posse de Juscelino. E a fama de “legalista” de Lott jamais foi contestada. A conspiração contra JK continuou. Um mês depois da posse do novo governo, na noite de 10 de fevereiro de 1956, oficiais da Aeronáutica insatisfeitos, liderados pelo major Haroldo Veloso e pelo capitão José Chaves Lameirão, partiram do Campo de Afonsos, no Rio de Janeiro, instalaram-se na base aérea de Jacareacanga, no sul do Pará, e ali organizaram o seu quartel-general. Dez dias depois do início da rebelião, os rebeldes já controlavam as localidades de Cachimbo, Belterra, Itaituba e Aragarças, além da cidade de Santarém, contando inclusive com o apoio das populações locais. Após 19 dias a rebelião foi afinal controlada pelas tropas legalistas, com a prisão de seu principal líder, o major Haroldo Veloso. Os outros líderes conseguiram escapar e se asilar na Bolívia. Todos os rebelados foram beneficiados pela “anistia ampla e irrestrita”, concedida logo depois pelo Congresso, por solicitação do próprio presidente JK. Ficou conhecida como a “Revolta de Jacareacanga”. Em 1957, o mesmo major Haroldo Veloso deflagrou mais um “movimento revolucionário” para afastar do poder “o grupo de corruptos e comprometidos com o comunismo internacional”. Os golpistas partiram do Rio de Janeiro, em três aviões Douglas C-47 e em um avião comercial da Panair sequestrado, e de Belo Horizonte, em um Beechcraft particular, para Aragarças, em Goiás. Pretendiam bombardear os palácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, e ocupar também as bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, entre outras. A revolta durou apenas 36 horas. Seus líderes fugiram nos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, e só retornaram ao Brasil no governo Jânio Quadros. Isso também não foi chamado de tentativa de golpe e sim de a “Revolta de Aragarças”. No dia 1º. de abril de 1964 o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a cadeira do presidente da República, João Goulart, que tinha voado ao Rio Grande do Sul para tentar se defender do movimento militar que intentava derrubá-lo, ignorando a Constituição, que só considera a presidência vaga quando o presidente se encontra fora do território nacional. Em seguida, empossou, em seu lugar, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzili. Em 9 de abril de 1964, uma junta militar formada pelo general Arthur da Costa e Silva, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, e o almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald, baixou o Ato Institucional Número 1, que, dentre outras determinações transformou oCongresso Nacional em Colégio Eleitoral para escolher o novo Presidente da República. Dois dias depois ocorreu a “eleição”, com três candidatos. Castello Branco teve 361, Juarez Távora, 3 e o general Eurico Gaspar Dutra, 2. O golpe ficou caracterizado mais uma vez, mas os golpistas, seus aliados e a imprensa tradicional o chamaram de a “Revolução de 64”. Conclusão: em 100 anos de “golpes” nunca houve um golpe no Brasil. Nem está havendo agora. O ditador Castello Branco. Foto: EBC Artigo publicado originalmente em http://brasileiros.com.br/2016/07/impeachment-e-o-novo-apelido-golpe/
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