A prova do crime. Por Mercelo Zero |
Dando o que Falar | |||
Monday, 05 September 2016 06:30 | |||
No caput do artigo 4º agora se lê que os decretos suplementares são permitidos desde que estejam "de acordo com a meta de resultado primário fixada para o exercício de 2017". Na LOA de 2015, esse mesmo artigo tinha uma redação diferente. Naquele ano, a redação dizia que os decretos suplementares seriam permitidos "desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015". Aparentemente, não mudou nada, apenas ficou mais enxuta. Não é verdade. Na realidade, mudou tudo. A redação anterior - "desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta" - permitia a interpretação, que vigorou por 15 anos, de que a compatibilidade dos decretos de suplementação com a meta fiscal poderia se dar por meio dos decretos de contingenciamento. Os decretos de suplementação não interferem no gasto efetivo. Trata-se apenas de uma previsão de mudança com aquilo que vai se gastar. Gastar mais com educação fundamental, e menos com ensino superior, por exemplo. Mas não aumentam o gasto per se. O que interfere de fato nos gastos são os decretos de contingenciamento, que limitam de verdade aquilo que pode ser efetivamente gasto pelo governo e impõem um teto financeiro ao orçamento. Isso permitiu que FHC e Lula editassem muitos decretos de suplementação, sem a necessidade de aprovação do Congresso. O TCU dizia que isso era plenamente compatível com a lei orçamentária, já que a compatibilidade com a obtenção da meta fiscal poderia ser assegurada pelos decretos de contingenciamento. Entretanto, quando chegou a vez de Dilma Rousseff, em 2015, o TCU mudou essa interpretação pacífica da lei orçamentária e passou a dizer que a compatibilidade com a meta fiscal teria de ser feita já na edição do decreto de crédito suplementar, independentemente dos decretos de contingenciamento. Criou-se, assim, o conceito "inovador" de "meta orçamentária". Os decretos de suplementação teriam de ser "compatíveis", antes mesmo da compatibilização ser equacionada pelos decretos de contingenciamento. Na interpretação anterior, existia somente o conceito de "meta fiscal", medida pelo gasto efetivo. Foi essa mudança oportunista e política da interpretação da lei orçamentária que permitiu a acusação principal contra Dilma Rousseff, no impeachment sem crime. A presidenta foi cassada porque, de acordo com os acusadores, teria emitido 3 decretos de suplementação ao orçamento que seriam incompatíveis com a tal "meta orçamentária". E o que isso tem a ver com a mudança da PLOA de 2017? Ora, a nova redação seca "de acordo com a meta", em contraste com "compatíveis com a obtenção da meta", elimina a possibilidade de interpretação da LOA, conforme havia sido feita nos 15 anos anteriores a 2015. Em outras palavras, a nova redação incorporou à lei orçamentária a interpretação oportunista promovida pelo TCU em 2015 para cassar o mandato da presidenta. Isso prova que a redação anterior da lei permitia, sim, a interpretação de que os decretos de suplementação podiam ser editados daquela maneira, sem necessidade da aprovação do Congresso. De fato, se a redação anterior permitia apenas a "nova interpretação" oportunista do TCU, porque foi necessário se promover a mudança no texto da lei para 2017? A nova redação do PLOA de 2017 "legaliza", a posteriori, a interpretação oportunista do TCU que ensejou o impeachment sem crime. Acontece que a lei não pode retroagir para prejudicar quem quer que seja. Assim, a mudança na redação da lei orçamentária é a prova de que a presidenta era inocente quando assinou os tais decretos, pois a lei e sua interpretação corrente e pacífica assim o permitiam na época. E a nova redação da lei orçamentária, que convalida, a posteriori, a nova interpretação oportunista e política do TCU, é a prova de que o impeachment sem crime foi um crime contra a democracia.
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