O que acontece com o Brasil daqui para a frente, após o impeachment tabajara?
Ao criticar demagogia, intolerância e nacionalismo na ONU, Temer ataca sua própria base sem querer. Por Helena Borges |
Dando o que Falar | |||
Wednesday, 21 September 2016 00:51 | |||
No entanto, em seu primeiro discurso na ONU, Temer criticou, sem ironia, as atitudes de que se beneficiou. Quem lê o discurso, que inclui exaltação aos programas de transferência de renda e críticas à paralisia política, sem saber seu autor pode até achar que as palavras são da ex-presidente petista, com quem rompeu. Ou de qualquer outro autor que estivesse bem distante das medidas que seu governo vem sinalizando desde quando ainda era interino e do perfil do atual congresso brasileiro. Temer também elogiou a atuação do governo de Cuba na reaproximação dos Estados Unidos. Infelizmente, porém, o cumprimento não foi recebido pelo representante cubano, porque ele estava entre os que se retiraram do recintono momento em que o governante brasileiro foi anunciado. Separamos nove pontos em que fica clara a distância entre o discurso do peemedebista e a realidade: 1_
Temer resolveu repetir sua antecessora. A paralisia causada pelo processo de impeachment, que começava na política e afetava a economia, era um elemento recorrente nos discursos de Dilma até seu afastamento. “Implementamos programas para garantir a retomada do crescimento. Alguns estão paralisados desde o início do ano porque, até maio, não tínhamos as comissões formadas para apreciar as medidas propostas”,reclamou a então presidente, em maio. Porém, quando era Dilma quem fazia a reclamação sobre paralisia, a oposição — encarnada principalmente em Eduardo Cunha — usava abertamente essa estagnação como estratégia política. O nacionalismo exacerbado criticado por ele foi visto nas manifestações pró-impeachment, coloridas de verde e amarelo, onde se ouvia o hino nacionalcantado a plenos pulmões. A camisa da seleção masculina de futebol foi tão utilizada que o próprio criador do uniforme se incomodou. Temer critica “manifestações de demagogia”. Segundo o Dicionário do Aurélio: Após ler essa definição, o que dizer sobre as manifestações que pediam a saída de Dilma e intervenção militar? Em 2015, Temer dizia mostrarem que “algo está errado e precisa consertar”. No entanto, quando os protestos passaram a ser contra ele, sua resposta foi subestimar o número de pessoas na rua e taxar a todos de vândalos. 2_
Para esta, basta lembrar que seu grupo de governo é composto por:
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“Perseguições, prisões políticas e outras arbitrariedades” são justamente as respostas do atual governo a diversas manifestantes que gritam “Fora, Temer” pelo Brasil, mesmo pacificamente. Em São Paulo, 26 manifestantesforam presos antes mesmo de o protesto começar, com a ajuda de uminfiltrado do Exército. Eis um trecho da decisão pela liberação dos estudantes paulistas, redigida pelo juiz Paulo Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo:
Neste trecho do discurso, Temer ainda exalta os programas de transferência de renda, de acesso à habitação e à educação, bem como as cotas. Com menos de uma semana de interinidade, a tesoura já era passada nosprogramas sociais enaltecidos no discurso. Apenas três exemplos:
Já exaltação à igualdade de gênero e a defesa das minorias ficam apenas no discurso, como se pode perceber em seu portfólio ministerial, que extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Inicialmente, o time foi escalado apenas por homens ricos, brancos, héteros e cisgêneros. Após críticas, Grace Maria Fernandes Mendonça foi a primeira mulher nomeada ministra, assumindo a Advocacia Geral da União. Desafio: Encontre pessoas negras e/ou do sexo feminino nesta foto. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil 4_
Falando sobre defesa dos direitos humanos e sobre “um mundo em que o direito prevaleça sobre a força”, vamos lembrar apenas a homenagem feita ao Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar a ser reconhecido, pela Justiça, como torturador durante a ditadura. Ele foiexaltado, sem qualquer constrangimento, pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em seu voto a favor do impeachment de Dilma. Logo depois, Bolsonaro, ícone da onda conservadora no Congresso brasileiro, registrou 11% das intenções de votos em pesquisas de opinião pública de Ibope sobre possíveis candidatos à presidência em 2018. 5_
No espírito de “respeito mútuo”, Temer ajudou a impedir que a Venezuelaassumisse a liderança do Mercosul. O ministro das Relações Exteriores, José Serra, além de emitir notas oficiais que esculachavam os líderes de Venezuela, Cuba, Bolívia, Ecuador, Nicarágua e a União das Nações Sul-Americanas, que o embaixador Celso Amorim caracterizou como “reação radical”, Serra comentou ao El Pais este mês que:
![]() Ministro das Relações Exteriores José Serra com o presidente da Comissão das Relações Exteriores da Assembleia de Nacional da Venezuela, Deputado Luis Florido, em Brasilia, 17 de agosto de 2016. Foto: Andressa Anholete/AFP/Getty Images Equador, Bolívia e Venezuela convocaram seus embaixadores após o afastamento de Dilma. O Secretário Geral da União de Nações Sul-Americanastambém se manifestou logo após a decisão na Câmara dos Deputados: “A eleição democrática e majoritária de Dilma Rousseff como presidente constitucional não pode ser revogada em um julgamento político por uma maioria parlamentar”. 6_
Em maio, Serra pediu um estudo de custos de embaixadas na África e no Caribe com a intenção de fechar cinco delas, mas o plano enfrentou forte oposição interna. O ministério da educação paralisou as negociações para a implantação da Base Nacional Curricular, com foco especialmente no ensino de História. Entre as temáticas discutidas para a disciplina, estavam justamente a valorização da história da África e o protagonismo das culturas indígenas e afro-brasileiras. 7_
Apesar de aumentar a verba para desenvolvimento de agricultura em sua proposta orçamentária de 2017, declara-se contra subsídios, e não apenas os do setor agrícola. De fato, Temer já disse que pretende rever o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) de 2010 que impediu estrangeiros a comprarem terras no Brasil. O que ele defende mesmo, desde a criação do documento “Uma Ponte Para o Futuro” — espécie de programa de governo apresentado antes mesmo do afastamento de Dilma — é a privatização. Entre os ajustes fundamentais, o documento escala: 8_Uma pena que todas essas manifestações estejam presentes no próprio Congresso Nacional, o mesmo que aprovou o estatuto da família reconhecendo apenas união entre homem e mulher. Somente a Câmara dos Deputados já teve como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que já foi acusado de homofobia, estelionato e até de tentativa de estupro e agressão. Feliciano publicou em sua conta de Twitter que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição”. O deputado Maranhense Fernando Furtado (PCdoB) recebeu o prêmio de “Racista do Ano” em 2015, após chamar os indígenas de “bando de veadinho” e dizer: “morre de fome, desgraça, é a melhor coisa que tem, porque não sabe nem trabalhar”. 9_
Aparentemente, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos maiores aliados de Temer, discorda especificamente sobre a parte que diz respeito ao Ministério Público. Calheiros chamou recentemente as ações do MP de “exibicionistas”. Não por coincidência, ele mesmo é autor de um projeto de lei sobre “abuso de autoridade”, criticado por juízes e classificado por procuradores como uma tentativa de “criminalizar os investigadores”. Sobre o “compromisso inegociável com a democracia”, desde o início, o processo gerou controvérsias. Intelectuais se manifestaram contra o impeachment, tachando-o de antidemocrático. Entre os principais nomes, estavam os filósofos alemães Jürgen Habermas, Axel Honneth e Rainer Forst, a filósofa feminista norte-americana Nancy Fraser e o filósofo canadense Charles Taylor. Resumindo a situação de aparência “livre”, como Temer define, do Congresso e da imprensa, cinco tweets do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa:
E enfim, para fechar o discurso, sobre não prevalecerem vontades isoladas e sobre “os mais poderosos”, fica aqui essa lista de notícias veiculadas após a troca de governante no Brasil:
Durante manifestações políticas contra e a favor do impeachment, ficou proibido o uso de máscaras. Parece que liberaram o mesmo para discursos na ONU. Artigo publicado originalmente em https://theintercept.com/2016/09/20/ao-criticar-demagogia-intolerancia-e-nacionalismo-na-onu-temer-ataca-sua-propria-base/
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Last Updated on Wednesday, 21 September 2016 01:26 |
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