As palavras que Temer teme, Por Tereza Cruvinel |
Dando o que Falar | |||
Wednesday, 21 September 2016 03:25 | |||
Ele falou, mas passou ao largo de três palavras que, como explicariam os psicanalistas, açoitam seu psiquismo, provocando culpa ou constrangimento ou qualquer coisa assim. Não pronunciou o nome da ex-presidente Dilma, não mencionou a qualificação de “golpe”, que corre o mundo, sobre o processo que descreveu, e trocou a palavra “impeachment” por impedimento. As duas palavras se correspondem no inglês e no português, mas na práxis política guardam diferença. Explico mais adiante. Disse Temer: "O Brasil acaba de atravessar processo longo e complexo, regrado e conduzido pelo Congresso Nacional e pela Suprema Corte brasileira, que culminou em um impedimento. Tudo transcorreu dentro do mais absoluto respeito à ordem constitucional." Impedimento de quem? Sem o complemento nominal, a frase atentou contra a sintaxe. O “impedimento” é sempre de alguém ou de alguma coisa. Mas ele preferiu assim porque foge do nome de Dilma como o diabo da cruz. Como o culpado do nome da vítima. Na recente entrevista ao Globo, quando lhe perguntaram porque nunca diz o nome dela, ele foi corajoso. “Então vou dizer: Dil-ma-Va-na-Rous-seff. Disse mas não gosta de dizer. As palavras e as coisas têm uma forte conexão. A fuga da palavra ajuda e esquecer a coisa, embora ela seja inapagável: foi golpe e foi traição. A outra palavra evitada foi “golpe”. Apareceram cartazes dizendo isso na porta da sede da ONU, apareceram manifestantes, e delegações latino-americanas se retiraram do plenário num silêncio gritante. Diante de uma plateia de governantes e chefes de Estado, Temer poderia ter aproveitado para refutar clara e corajosamente a caracterização do processo que o levou à presidência como golpe, uma ideia que encontrou seu lugar aqui no Brasil e lá fora. Passou ao largo, limitando-se a dizer que o processo foi legal e constitucional. O fato de ser constitucionalmente prevista não significa que foi legítimo. Preferiu dizer que o processo “transcorreu dentro do mais absoluto respeito à ordem constitucional” e que “culminou em um impedimento”. Por que não disse “impeachment”? Porque não estaria sendo verdadeiro. Houve aqui o impedimento de fato da presidente por obra do Congresso, com aval do STF. Mas não um “impeachment” segundo as regras dos países democráticos que o preveem em suas cartas constitucionais, a começar dos Estados Unidos, o criador deste mecanismo criado para mitigar a força do presidencialismo, não para derrubar presidentes. Tanto é assim que lá nenhum presidente sofreu tal processo. Nixon renunciou antes e em relação aos outros dois, Andrew Jackson e Bill Clinton, o Senado assumiu seu papel moderador e arquivou os pedidos autorizados pela Câmara. Alegou, principalmente, a desproporção entre a acusação e a pena da deposição, o que bem se aplicaria aqui, diante dos crimes imputados a Dilma, pedaladas e suplementações orçamentárias. Ao falar em “impedimento” e não em “impeachment”, Temer evitou a comparação jurídica e reconheceu a singularidade do processo ocorrido no Brasil. Ele se assemelha ao que houve no Paraguai e em Honduras mas não ao que seria um “impeachment” nos Estados Unidos, por exemplo. A alma de Oswado Aranha, a quem o Brasil deve o honroso papel de abrir anualmente a Assembléia Geral da ONU, deve ter se divertido. Ou lamentado. Artigo publicado originalmente em http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/256261/As-palavras-que-Temer-teme.htm
|
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |