Eu deveria estar feliz com o afastamento de Renan Calheiros. Contra si Renan tem oito investigações, além de ser réu no STF, é conhecido desonesto entre desonestos, desde o governo Collor. Afastado Renan, assume o seu vice, o Senador Jorge Vianna, do PT do Acre.

Isto, em si, justificaria o regozijo que estou assistindo nas redes sociais, pelos progressistas, principalmente os petistas.
Mas vamos esmiuçar a situação, para concluirmos que o afastamento de Renan foi mais um passo na consolidação do golpe.
De todas as raposas peemedebistas, Renan é a mais sorrateira e esperta, fazendo sempre as coisas acontecerem de acordo com as suas conveniências, agindo nos bastidores, sem alardes, ao contrário de Eduardo Cunha, e por isso conseguiu sobreviver por mais tempo que Cunha.

E porque caiu?

Todas as investigações sobre Renan vinham sendo proteladas porque ele era útil ao golpe, até que resolveu bater de frente com o Judiciário, trabalhando em favor da Lei do Abuso de Autoridade, transformando semideuses de toga em cidadãos comuns investidos de autoridade, e só.

A Câmara dos Deputados resolveu criar essa lei, terminando com os abusos de autoridade que assistimos, com policiais metendo as botinas em portas de barracos, agredindo manifestantes em passeatas, decidindo que queixas acatar, nas delegacias, uma juíza expondo uma mulher a estupro continuado, por mais de 20 homens, no cárcere, e sendo punida com o afastamento por dois anos, sem prejuízo da perda do faraônico salário e mais as vantagens, vendo um juiz infringir as leis de trânsito e, sendo multado, agredir a quem lhe multou, uma mulher, e ainda processando-a, por abuso de autoridade, um juiz de primeira instância gravando clandestinamente conversas da presidente da república, o que fere até a lei de segurança nacional, ordenando conduções coercitivas sem que o detido tenha sido previamente convidado, convocado ou intimado e desobedecido... Com juízes ganhando até mais de duzentos mil reais, graças a recursos interpostos por eles e julgados por eles mesmos, quando a Constituição determina que nenhum funcionário público pode ganhar mais que um ministro do Supremo (R$ 32 000,00).

Os deputados criaram uma Comissão, tendo o deputado Onyx Lorenzoni como relator, e que vinha fazendo um bom trabalho, até ser chamado por Moro e os procuradores da chamada força tarefa da Lava Jato para um jantar, em Curitiba, quando substituiu tudo o que tinha escrito, pelas chamadas dez medidas, na verdade dezessete, redigidas pela turma de Curitiba, uma proposta tão absurda que cria a figura do delator profissional, uma espécie de inspetor de alunos, fiscalizando os colegas nas repartições públicas.

O projeto foi modificado em plenário, aprovado e enviado para o Senado, onde Renan acolheu prontamente.

Houve um debate, com a presença de um ministro do supremo (Gilmar Mendes), um juiz federal independente (Silvio Rocha, de São Paulo), o relator da matéria (senador Roberto Requião) e o juiz Sérgio Moro, que foi aniquilado na sua argumentação, única, de que o projeto de lei era para atrapalhar a Lava Jato.

Terminado o debate, Moro tentou introduzir, por sugestão, um apêndice que tornava inócua a lei, com o abuso de autoridade continuando a campear no país, das favelas ao STF.

Hoje deveria começar os debates, para posterior votação, do relatório de Requião, com os golpista tentando protelar de todas as maneiras, não conseguindo, até só restar o recurso final: afastar o principal defensor da lei, aprofundando a crise institucional, trabalho sujo ao qual a Rede, de Marina Silva, se prestou.

O Senador Jorge Vianna assume num quadro hostil, já que a oposição é maioria e existem mecanismos regimentais de neutralização para as iniciativas do presidente do Senado.

Vão tentar aprovar a PEC-55 a toque de caixa, ficam prejudicadas as discussões da Reforma da Previdência, caminhando para ser aprovado como está, e morre a Lei do Abuso de Autoridade, ou pelo menos tentarão matá-la, adiando a tramitação por tempo indeterminado.

O argumento dos golpistas que recusam a Lei do Abuso de Autoridade é que estão atendendo às vozes das ruas, daquelas mini manifestações convocadas por juízes, procuradores do Ministério Público, Conselheiros dos Tribunais de Contas, empresários e marajás do serviço público.
Nas passeatas a ausência de negros, desdentados, calçados com sandálias havaianas, os maltrapilhos e maltratados, das vítimas dos que pretendem continuar a fazer uso do abuso da autoridade para manter a ordem nas senzalas, com pontapés nas portas de barracos, balas perdidas, arquivamentos de processos e protelações até o decurso de prazo.

Só os iludidos e alienados devem comemorar.

Afastar Renan, sim. Cassar Rena, sim. Prender Renan, sim.

Mas não agora.

A esquerda apoiar isso é dar um tiro no pé.

O apoio e a felicidade da Globo, com o afastamento de Renan, nos remete a Leonel Brizola: se é bom para a Globo é péssimo para o povo.

Francisco Costa
Rio, 06/12/2016.