Míriam Leitão, seu relato manco e a solidariedade automática da esquerda brasileira. Por Kiko Nogueira |
Dando o que Falar | |||
Wednesday, 14 June 2017 13:04 | |||
Imediatamente após a publicação da coluna da jornalista sobre um episódio de “violência verbal” de que teria sido vítima, perpetrada ao longo de mais de duas horas por “delegados petistas” e “representantes do partido”, muita gente boa acorreu em sua defesa. Foi covardia, canalhice, fascismo, machismo, intolerância, linchamento, estupidez, mata, esfola, desgraçados, assim não dá, é tudo igual, coitada da Míriam etc etc. A questão é que Míriam mentiu. A não ser que tenha na manga alguma evidência que não usou ainda — o que seria igualmente estranho —, os fatos simplesmente não ocorreram como ela contou depois de transcorridos dez dias. Há pelo menos dois depoimentos de presentes a desmentindo em pontos chaves, além de um vídeo e da própria companhia aérea. Toda a empatia a Míriam foi baseada em sua história manca. Seus defensores não se preocuparam em checar nada. Bastou enquadrar tudo num formato apriorístico e mandar bala. Para ficar apenas num exemplo, o bom colunista Leonardo Sakamoto escreveu que “rasgamos o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia”. “É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza técnica de desumanização de quem participa do debate público, transformando pessoas em coisas descartáveis”, diz. Etc. Noves fora o fato de que Sakamoto comprou a versão da colunista do Globo na maior, é preciso lembrar que o clichê idiota do “Fla-Flu” já expirou a data de validade há décadas. Um lado, o Fla, bate. O outro, o Flu, apanha. Republicanamente. Num excelente artigo sobre a polarização, o professor Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, anotou que “nas repúblicas democráticas bem constituídas não é o consenso, não é a paz dos cemitérios, não é a passividade que constroem bem estar e boas leis”. Essa é a hipocrisia nacional, aponta Fornazieri. É evidente que não se advoga a porrada. Mas é preciso dar às coisas o nome que elas têm. Há uma certa noção equivocada de superioridade moral nessa esquerda, que acaba provocando reação desse tipo. A vaidade da falsa humildade. De quem se acha tão acima do adversário que o afaga, por mais criminoso que o outro seja. Quando Rachel Sheherazade foi “humilhada” por Silvio Santos, seu patrão e ídolo, a mesma grita se deu. No dia seguinte, Sheherazade estava rindo das mulheres que a apoiaram incondicionalmente. Nossa colunista Nathalí Macedo comentou sobre essa sororidade. Sheherazade e Míriam não precisam da sua imensurável bondade cristã porque têm as costas muito mais quentes que a sua e jogam o jogo. “Detesto as vítimas quando elas respeitam seus carrascos”, disse Sartre. Míriam deseja denunciar o ódio que grassa no Brasil? Ódio mesmo? Ódio figadal? Que tal, ao invés de falar de si mesma, apelando para seu passado contra a ditadura, meia dúzia de palavras sobre o fato de Sérgio Moro não absolver Marisa Letícia mesmo depois de morta? Sim: depois de morta. Que tal um auto exame? Se alguém merece desculpas, são os militantes retratados como uma turba ignóbil de stalinistas no texto — usarei um eufemismo — obscuro de Míriam Leitão, espancados à direita e à esquerda. Monstros que cantaram “a verdade é dura, a rede Globo apoiou a ditadura”. Mas, com esses, ninguém gasta vela. Artigo publicado originalmente em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/miriam-leitao-seu-relato-manco-e-solidariedade-automatica-da-esquerda-brasileira-por-kiko-nogueira/
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