Lucio Funaro e a desmoralização da “delação premiada” Por Miguel do Rosário |
Dando o que Falar | |||
Tuesday, 17 October 2017 02:28 | |||
Funaro disse ainda que Geddel Vieira Lima ficava com 65% das propinas que o PMDB obtinha de seus esquemas. Cunha e ele, Funaro, ficavam com o resto meio e meio. Como de praxe, o “vazamento” da informação de Funaro foi para um órgão amigo da Lava Jato, a Folha de São Paulo. A Lava Jato precisa estar, constantemente, molhando a mão da imprensa para mantê-la pendurada, bem chapa-branca, à sua própria narrativa. O Globo, por sua vez, repercute a notícia de uma maneira bem curiosa. Ou seja, nenhuma indignação. A transformação do congresso num grande mercado, onde os “aliados” têm um preço, é tratada com normalidade. Na farsa do “mensalão”, construiu-se, ou se tentou construir, na opinião pública, uma indignação histérica porque o governo teria “comprado” deputados para aprovar reformas importantes. Agora o governo compra deputados, à luz do dia, para suspender investigações criminais contra si mesmo, e a mesma imprensa trata a coisa como um fato normal. Com um detalhe macabro: o “mercado” torce em favor de Temer, o que mostra que o sr. mercado não dá muita bola para ética, democracia ou interesse nacional. Eu demorei para tratar o assunto da delação de Funaro porque não acredito em delação. Acho que é sempre uma excrescência. Pelo jeito, não sou apenas eu. A “opinião pública” também está cansada. O partidarismo nojento do sistema de justiça desmoralizou o instituto da delação premiada em tempo recorde. Como saber se Funaro disse a verdade? Cunha pode ter pedido R$ 1 milhão, sim, ou pode ter pedido R$ 100 milhões. Ou o pedido pode ter sido de Michel Temer. Enfim, como saber? A única coisa que sabemos é que sempre há um interesse por trás da delação. Desde que começamos a fuçar, com mais atenção, as conspirações que levaram ao impeachment, já tínhamos identificado, por exemplo, que uma das estratégias mais bem sucedidas de seus operadores na mídia e no sistema de justiça era justamente intimidar a classe política. Intimidada, a classe política se engajaria, quase com desespero, em prol das reformas neoliberais, com muitos políticos experientes intuindo, com acerto, que seriam preservados da fúria policial caso entregassem o serviço em tempo recorde. E assim foi. Mídia e “mercado” tratam de blindar os políticos que trabalham firmes em prol do desmonte do Estado. Naturalmente, esse controle não é absoluto. Alguns políticos são toscos demais e acabam se empolgando demasiadamente com a liberdade que a mídia lhes oferece. É o caso de Geddel. Não podemos esquecer, porém, que a Lava Jato e a Globo lideraram uma conspiração para derrubar uma presidenta honesta e substituí-la por um governo onde Geddel Vieira Lima fazia parte do “núcleo duro”, junto com Moreira Franco e o próprio Michel Temer. Assim foi o golpe. Impôs à população um governo não eleito, impopular, rejeitado pela população, cercado de ministros e forças ligadas ao partido derrotado nas últimas quatro eleições, que está implementando um programa não discutido com a sociedade. Ou seja, o golpe trouxe profunda infelicidade e humilhação ao país, como era previsto. Dilma, com todos os seus problemas, sempre foi defendida nas ruas por grupos sociais importantes. Que grupos sociais estão nas ruas, hoje, a defender o governo Temer? O sistema de justiça, por sua vez, parece fazer questão de confirmar que é mesmo o núcleo mais importante do golpe. Os ataques a Lula, a Dilma, e a blindagem a algumas peças estratégicas da oposição, como se testemunhou em tantas ocasiões, a Moreira Franco, Aécio Neves, Serra, FHC, significam que o sistema brasileiro de justiça tem lado, e não é o lado da população, da democracia e da soberania nacional. Rubens Casara, em seu recém-lançado Estado Pós-Democrático (compre aqui e leia: é um livro essencial!), no capítulo dedicado ao “Poder Judiciário”, observa que
Em outra parte do livro, no capítulo intitulado “O sistema de justiça criminal e sua tradição autoritária”, Casara denuncia a figura do “juiz-inquisidor”:
Brandindo suas “certezas delirantes”, juízes e procuradores, inconscientes ou não, pautam a agenda política, desviam o foco da indignação popular e, pior, chancelam golpes de Estado, jogando o país numa crise econômica e política de proporções catastróficas para a população. O culpado, neste caso, não é apenas Sergio Moro. Os tribunais superiores tem responsabilidade direta nesta situação. Um impeachment escancaradamente ilegal foi o ponto culminante de um processo interminável de ilegalidades aceitas pelo judiciário. A “delação” de Lucio Funaro serve apenas como uma humilhação a mais, além de servir para reafirmar o poder das instâncias burocráticas, que não teriam sido “compradas” por Eduardo Cunha. Não, os juízes são mais elegantes: são comprados por prêmios, palestras em Washington, entrevistas e reportagens lisonjeiras. Desde que, é claro, se mantenham servis à narrativa central do golpe, desde que se comportem direitinho nestes difíceis momentos de “pausa democrática”… Artigo publicado originalmente em https://ocafezinho.com/2017/10/16/lucio-funaro-e-desmoralizacao-da-delacao-premiada/
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