Por que a direita odeia tanto Zé Dirceu? por Paulo Nogueira |
Dando o que Falar | |||
Tuesday, 03 September 2013 02:52 | |||
De Lula era esperado, mesmo, que estivesse do lado oposto ao da direita. Operário, nordestino, nove dedos, pouca oportunidade de estudar. Seria uma aberração Lula se alinhar ao 1%, para usar a grande terminologia do movimento Ocupe Wall Street. Mas Dirceu não. Ele tinha todos os atributos para figurar no 1% que fez o país ser o que é, um dos campeões mundiais de iniquidade, a terra das poucas mansões e das tantas favelas. Articulado, inteligente, dado a leituras. Bem apessoado. Na ótica do 1%, pessoas como Zé Dirceu são catalogadas como traidoras, e devem ser punidas exemplarmente para que outras do mesmo gênero, ou se preferirem da mesma classe, não sigam seu exemplo. Na França revolucionária, a aristocracia entendia que os Marats, os Desmoullins, os Héberts pregassem a morte do velho regime, mas jamais conseguiu compreender o que levou o Duque de Orleans a também lutar pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade. O 1% brasileiro, na história recente, soube sempre atrair equivalentes a Dirceu. Carlos Lacerda, por exemplo, era de esquerda na juventude. Depois, se tornou um direitista fanático. Segundo relatos de quem o conheceu, ele se cansou da vida dura reservada aos esquerdistas em seus dias e foi para onde o dinheiro estava. O 1% recompensa bem. Nos dias de hoje, se você defende os privilégios, acaba falando na CBN, aparecendo em entrevistas na Globonews, tendo coluna em jornais e revistas, dando palestras muito bem pagas. E, com a carteira abastecida, ainda pode posar de ‘corajoso’ defensor da ‘imprensa livre’. Dirceu não fez a trajetória de Lacerda. Não abjurou suas crenças. E então virou o demônio. Quem o demonizou foram exatamente aqueles que o adulariam se ele se vendesse. A imagem que a mídia construiu de Zé Dirceu concentrou num único homem todos os defeitos possíveis: vaidoso, arrogante, corrupto, inescrupuloso, maquiavélico. Um monstro, enfim. Pegou essa imagem? Menos do que o 1% gostaria, provavelmente. Quem não se lembra de Serra, num debate com Haddad, repetidas vezes tentar encurralar seu oponente com a acusação de que era “amigo do Dirceu”? Haddad reconheceu tranquilamente a amizade, e quem terminou eleito não foi Serra. Na mídia tradicional, a campanha contra Dirceu desconhece limites jornalísticos e, pior que isso, legais. Um repórter tenta invadir criminosamente o quarto do hotel que ele ocupa, e ainda assim é Dirceu que aparece como o vilão do caso. Quem conhece o Dirceu real, com seus defeitos e virtudes, grandezas e misérias, são aqueles poucos de seu círculo íntimo. Para eles não faz efeito o noticiário que o sataniza. (Caso interesse a alguém, nunca votei em Dirceu e não o conheço pessoalmente.) De resto, esse noticiário – ou propaganda – não é feito para eles, mas para os chamados ‘inocentes úteis’, aqueles que em outras épocas acreditaram no “Mar de Lama” de Getúlio Vargas ou no “perigo comunista” representado por João Goulart. É a imagem demoníaca de Dirceu construída pela mídia que, nestes dias, é utilizada pela maioria dos juízes do Supremo no julgamento do Mensalão. Não chega a ser surpresa. A justiça brasileira tradicionalmente foi uma extensão do 1%. Estudiosos já notaram a diferença da atuação da justiça no Brasil e na Argentina na época das duas ditaduras militares. No Brasil, a justiça foi servil aos militares. Na Argentina, a justiça desafiou frequentemente os militares ao declarar inocentes muitos acusados de “subversivos”. Isso acabou levando os militares argentinos a simplesmente matar milhares de opositores sem que fossem julgados. Fundamentalmente, Dirceu paga o preço de sua opção teimosa pelo 99%. Mas quem vai julgá-lo perante a história não é o 1%, representado por uma mídia que defende seus próprios privilégios e finge se bater pelo interesse público. E nem uma corte em cuja história a tradição é o alinhamento alegremente pomposo com o 1%. Ele deve saber disso, e imagino que isso o conforte em horas duras como esta. O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo. Artigo públicado em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-direita-odeia-tanto-ze-dirceu/
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Last Updated on Tuesday, 03 September 2013 02:57 |
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