Entrevista - Roberto Amaral "Uma conspiração antinacional de desmonte está exposta à luz do dia" por Carlos Drummond |
Dando o que Falar | |||
Saturday, 29 October 2016 03:37 | |||
CartaCapital: Em que pé está o programa nuclear brasileiro e que aspectos contrariam os interesses das nações hegemônicas? Roberto Amaral: O governo Temer é socialmente regressivo e, do ponto de vista político-estratégico, antinacional. Cuidará de remover todos os projetos de desenvolvimento autônomo de nosso País, a começar pela desconstituição de nossa política de defesa, fundada nos programas nuclear, espacial e cibernético, segundo a Estratégia Nacional de Defesa de 2008. O Brasil possui uma das maiores reservas de urânio do mundo e é um dos poucos detentores da tecnologia do seu enriquecimento. Em Resende (RJ), com tecnologia nossa, que muito devemos à dedicação da Marinha de Guerra do Brasil, são criadas e fabricadas as mais modernas ultracentrífugas do mundo. Nossa produção de urânio enriquecido é fundamental para manter em funcionamento Angra I, Angra II e a futura Angra III, cuja construção está parada. É vital também para o futuro e sempre adiado programa de construção de novas usinas. Os Estados Unidos e seus aliados no monopólio nuclear, a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas inclusive, tudo fizeram para que não dominássemos essa tecnologia. Dominada, querem impedir que dela nos utilizemos para nosso progresso. O Brasil tem o projeto de equipar-se com submarinos nucleares, um já está em construção, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, em consórcio com a França. Como manter esse programa, vital para nossa segurança, especialmente para a segurança do pré-sal, se não tivermos o combustível nuclear? A conspiração antinacional de desmonte de nossos projetos estratégicos, principalmente nas áreas de energia e segurança, está exposta à luz do dia. Vejamos. CC: Por que o programa nuclear é estratégico? RA: Porque com a conclusão de Angra 3, o Brasil, que domina a tecnologia de produção do combustível, passará a produzi-lo em escala industrial, privilégio até hoje dos países que têm a bomba atômica, e com eles competirá no mercado mundial. Exatamente por isso é fundamental para eles retardarem a conclusão de Angra 3, e para tanto utilizam o mesmo argumento que levou Angra 2 a ser concluída com atraso de 20 anos: o combate à corrupção. Desta vez, procura-se enlamear a reputação do principal cientista do programa nuclear brasileiro, o almirante Othon (Luiz Pinheiro da Silva), que era o presidente da Eletronuclear, proprietária das usinas. Por conta desse ataque, as obras são paralisadas e não há previsão de recomeço, impondo insuperável prejuízo técnico e financeiro. Quem pagará por isso? O Ministério Público, o Tribunal de Contas ou o juiz Moro vão cobrar de alguém? O programa de construção do submarino de propulsão nuclear foi praticamente desativado, assim como o programa espacial. CC: O programa aeroespacial é importante para o Brasil por quais motivos? RA: O programa espacial tem como principal protagonista a Embraer, hoje a terceira produtora de aviões comerciais no mercado mundial. Para fragilizá-la, surgem denúncias de corrupção em vendas internacionais, que dão origem a processos milionários na Justiça norte-americana, com a omissão conivente do governo Temer. O programa espacial próprio foi desativado e já se fala em rediscutir a cessão aos EUA da base de lançamento de foguetes de Alcântara, cuja ótima localização, próxima ao Equador, só é rivalizada por Kourou, na Guiana Francesa. Caso se concretize, afastará o Brasil do lucrativo mercado de lançamento de satélites comerciais e deixará o lançamento e operação de nossos satélites estratégicos e militares, como os de comunicação e de rastreamento de nosso território para acompanhamento de safras, acidentes meteorológicos e riquezas do subsolo, entre outros, nas mãos de americanos, russos e chineses.
CC: Há quem considere a defesa do petróleo como anacrônica, dada a possibilidade de substituí-lo por outras fontes de energia. RA: O petróleo continuará por muitas décadas fonte essencial para a produção de energia no mundo. A descoberta do pré-sal, a mais importante do planeta nos últimos 30 anos, além de propiciar nossa independência em termos de energia, nos colocaria no patamar dos produtores do Oriente Médio e a Rússia. A transformação da Petrobras, âncora do desenvolvimento industrial brasileiro, em mera produtora de óleo bruto, complementada pela entrega do pré-sal às petroleiras privadas estrangeiras, significará 70 anos de retrocesso em nossa política industrial. CC: Se acrescentarmos o impacto da Lava Jato na controladora da Odebrecht Defesa e Tecnologia, coordenadora do projeto de submarino nuclear, quais as probabilidades de sobrevivência deste? RA: É importante esclarecer que a coordenação do programa de construção de submarinos não é da Odebrecht, e sim da Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear, organização da Marinha criada com esta finalidade. Nesse programa, a Nuclep, empresa estatal, é a responsável pela fabricação dos cascos resistentes dos submarinos e de componentes da planta de propulsão do submarino nuclear.
Com tantos parceiros estratégicos envolvidos, há motivos para acreditar na sua continuidade, sem interrupções, do ponto de vista técnico, mas isso de nada valerá se a decisão política do governo for pela sua desativação. Desse governo nada se pode esperar em sã consciência. CC: Como o senhor analisa as alegações de que, por não existir ameaça imediata ao País, não haveria problema em reduzir ou mesmo cortar o projeto do submarino nuclear? RA: Uma de duas: ou estúpida ignorância, ou má-fé militante. Até o reino mineral sabe que a moderna política de defesa se chama dissuasão. Trocando em miúdos, quem quer se defender precisa se preparar para a guerra com o objetivo de evitá-la, advertindo o eventual inimigo de que suas perdas não compensariam os ganhos. Assim, evitando o ataque. CC: Haveria um sentido comum nos ataques concomitantes ao pré-sal, por meio da venda de campos de Carcará pela nova presidência da Petrobras, e ao dispositivo de defesa com submarinos nucleares, por meio do aniquilamento da Odebrecht e outras empreiteiras da cadeia produtiva de óleo e gás? RA: Sim, evidentemente que sim, e demonstrar esse elo foi o que tentei nas respostas anteriores. *Entrevista publicada originalmente na edição 924 de CartaCapital, com o título "Conspiração à luz do dia".
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Last Updated on Saturday, 29 October 2016 03:43 |
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